quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A camarata dos sonâmbulos


A noite já ia a meio

Mas o sono não chegava

Ao fundo o Gésu chorava

O Pilas gritava ao meio



E eu que também era recheio

Do maldito pavilhão

Não encontrava razão

Para aquele meu devaneio



Mil vezes corri pelo corredor

Tentando encontrar uma solução

Mas de mim ninguém tinha compaixão

Todos fingiam não ver a minha dor



Autómato mecanizado

Objecto de consumo nesta guerra

Ao ser deportado para esta terra

Disseram-me – “vai, és maior e vacinado”.



Filipe Raimundo

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

MENINA NEGRA COM BEBÉ AO COLO - por J.T. Parreira


Escrito em 1969 em H. de Carvalho - AB4
Foto de J.T.Parreira da mesma data

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

CHAMUANZAS - por Vitor Montenegro



CHAMUANZAS

Chamuanzas grupo de ex-especialistas da Força Aérea Portuguesa
Que na guerra do Ultramar
Nas terras do Leste de Angola andou
Mais concretamente do Aeródromo Base Nº 4 ficou.

Henrique de Carvalho conhecida por Saurimo localidade no distrito da Lunda
Cidade muito simples, mas bonita, muito limpa
Onde os especialistas marcaram terreno, com a sua farda
Com o seu atrevimento, a sua vaidade, o seu orgulho

Todos voluntários, generosos jovens mas responsáveis
Uns mais, outros menos puderam ou souberam aproveitar
A piscina, o campo de jogos, o cinema os bailes particulares
Mas todos ainda hoje recordamos as louras Nocal e Cuca

Outros com outra sorte foram conhecer outras terras
Ver a beleza Africana na sua dimensão, as suas chanas
Os seus rios com a beleza, com a sua fauna, o pr do sol
Vilas como Cazombo, Camachilo, Gago Coutinho, jamais serão esquecidas

Conhecemos várias etnias num povo humilde e respeitador
Vivemos coisas lindas, que não mais esqueceremos
Passamos momentos menos bons mas aí o nosso carácter era forte
E a nossa união era como uma devoção

Hoje esse grupo continua, não tão vaidoso como outrora
Já não há fardas, o peito descaiu, barriga cresceu, o resto desapareceu
Mas a amizade essa, eu, acho que cresceu, Chamuanzas, poço de virtudes
Chamuanzas palavra que no dialeto local significa Ser Bom-Bonito-Belo

Era bom que esse grupo até ao último elemento
Sem confundir emoções, com sensibilidade
Com paixão e imaginação
Mantivesse sempre a sua grande união.


Vitor Montenegro
Ericeira, 15 de Setembro de 2008

SOU UM MENTIROSO - por J.T.Parreira

“Sou um mentiroso”


Epiménides


Quando o Messias vier
as trevas serão brancas, os rios
exultarão com os mares, cada um
ficará com as suas águas
As árvores responderão às estrelas
com o brilho amarelo do Outono
Quando o Messias vier, os arados
sulcarão os oceanos
para a colheita alegre dos peixes
Quando o Messias tocar o chão
a neve não temerá mais o sol
como os cordeiros não temerão
o lamento macio dos lobos
quando o Messias vier
Não haverá mais milagres, serão o pão
natural de cada dia
E a morte não cobrirá mais os espelhos.


28/9/2010
J.T.Parreira

( Dilema: não sei se devo publicar este poema)

O assunto do poema é a poesia

AMIGOS - Por Vitor Montenegro



AMIGOS

Amigos, uma palavra simples
Um significado maravilhoso
Uma grandeza inexplicável
Felizes aqueles que têm amigos.


Amigos, na tristeza e na dor
Amigos na felicidade e no amor
Amigos com destemor
Amigos só por Amor.


Com amigos assim, a vida
Mesmo má, mesmo com dor
Tem uma força sobrenatural
Uma força de amor espiritual.


Vitor Montenegro


Ericeira, 23 de Dezembro de 2007
Do Livro “Momentos da Vida”

quarta-feira, 16 de junho de 2010

3 POEMAS PARA AB4















REGRESSO

Regresso aos olhos da infância
Aos jardins órbitas que atraiam
borboletas, abelhas e as pequenas
correrias

Volto ao velho pó
que se levantava sob os pés
já não existe, nem a sola
das minhas botas rígidas

Tinha cinco anos no alto
onde a Fonte Luminosa cantava.

©  J.T.Parreira
O assunto do poema é a poesia










O CONDOMÍNIO

“Os andares vários da acumulação da vida...”
Álvaro de Campos

Os passos do terceiro-andar
percorrem a rotina
dos silêncios
O choro de um bebé
enche as paredes frias
de ternura, do primeiro-andar
um piano sobe
contra o edital da noite
que no quarto-andar se apressa
e desce sobre a rua
pôs a máscara dos estores
uma janela do segundo-andar
a luz do rés-do-chão
é um olho no abismo.

22/5/2010
© J.T.Parreira
O assunto do poema é a poesia













LINHA 4

As palavras simples anunciam
vêm resolver a espera, vêm
do fundo as carruagens
um vento se aproxima
vento metálico a travar
sobre os carris
Os meus olhos testemunham
esperam a imobilidade
do comboio, abarcam
toda a extensão do pássaro
terrestre
Entro depois em olhos silenciosos
sentados lado a lado.

12-5-2010
© J.T.Parreira
O assunto do poema é a poesia

sexta-feira, 16 de abril de 2010

ABRIL

ABRIL










Não sentes o ar
ficar febril
E uma nuvem
de penas passar
lá longe, nos teus olhos
solta a janela
e abre o vento
no teu peito
foge
e o perfume
te sustentará
de flor em flor.

14/4/2010
J.T.PARREIRA

segunda-feira, 5 de abril de 2010

TANTOS










TANTOS

Eramos muitos!
Eramos tantos que por vezes,
Nos não encontrávamos no meio da multidão.
Mas eramos!...Estávamos lá!...e existiamos;
Em grupos!...Aos magotes!...
Gregáriamente unidos, como animais com medo!
Gregáriamente unidos, na esperança de uma vós.
Nós!...Soldados que nos fizeram.
Tantos, e contudo tão sós.
Nós!...Que nunca aceitámos ser
Aquilo que éramos.
Mas éramos!...
Uma colónia de loucos em busca de nós mesmos.
Por isso nos embriegávamos,
Para nos libertarmos da farda,
Que nos transformáva em máquinas humanizadas.
Por isso nos drogávamos,
Para alcançarmos nas abstrações do nada,
A dimensão dos nossos sonhos frustrados.
A realidade que nos impunham
Era demasiado cruel!...
Era brutal;
E nós nunca aceitamos ser
A incarnação do mal.
Mas eramos,
Lá!... Em África!...
Nesse Continente que eu antes sonhara virgem,
Natural.
Lá!...Nós fomos os desbravadores dos seus mistérios,
Lá!...Nós fomos os desfloradores
Da sua selvagem virgindade.
Lá!...Eu fui soldado sem vontade,
Por vontade de ditadores de gema;
E foi lá que eu colhi,
A fúria!...A raiva!...E a revolta
Com que escrevi este poema.


Escrito em Tancos em Maio de 1973
Filipe Raimundo

sábado, 3 de abril de 2010

PICASSO


PICASSO

Picasso dá-nos coisas
que nos desorganizam os olhos
as linhas correm
paralelas, e depois
separam-se, os rostos
ficam de repente de perfil
Les Demoiselles velhas
uma forma hoje
não é amanhã
Picasso deixa a cabeça
a nossa, irrequieta.

Do livro de poesia «Os Sapatos de Auschwitz»

J.T.Parreira

quinta-feira, 1 de abril de 2010

PÉROLA NEGRA



Não sei explicar este enigma!
Os outros dizem que é feia.
E eu concordo,
Sou forçado a concordar
Porque ela, é mesmo feia.
Mas!...Paradoxo!
Encontro nela uma beleza singular,
Talvez na forma de rir,
Talvez na forma de olhar,
Talvez!
Sim, talvez porque ao rir,
Não utiliza a hipocrisia,
E não sufoca a gargalhada,
Ri sem fantasia
De qualquer coisa engraçada,
E comunica alegria
Aos outros,
Como ela, malfadados.

Chama-se ROSA!
E a ROSA tem de humano,
A posição vertical.
O resto...
O resto
É de animal irracional.
Não tem ódio no olhar,
Nem rancor pelos tiranos;
Ambições também não tem,
Que a vida
Sempre lhe deu desenganos,
E ela deixou de ambicionar.

Um dia vi-a chorar!
Um soldado lhe batera,
E ela para mim correra a gritar...
- Raimundo! - Raimundo!
- Os tropa me bateu,
- Os tropa me bateu, Raimundo!

- Ah! porco imundo!
- Rosnei eu.
Heróis da podridão,
Vejam...
Um valentão.

Passei-lhe uma das mãos
Pela face tremente,
Duas pérolas rolavam lentamente
Pela face da negrita,
E naquele momento...
Naquele momento,
Achei-a ainda mais bonita.

Não chores Rosita,
Disse eu.
E ela deixou de chorar.
E uma lágrima quente
Veio-se aconchegar,
Na minha outra mão,
Que pendia, inconsciente.
- Os tropa me bateu!
Disse ela novamente.
- O tropa é mau!
Disse eu.
E calei-me
Sem saber que dizer mais.
Aquela é uma rosa
Que não se encontra nos rosais!
Pétalas negras,
Pistilo de marfim,
E dois estigmas dardejantes de pureza,
Que beleza!
Nunca vi outra assim.

De ambos os lados
Tinha um botão a abrir,
Eram os filhos
A olhar para mim!
O Jorge e a Amelonga,
Dois rebentos da desgraça,
Que nasceram para sofrer,
E para provar ao mundo
Que viver,
É uma infinita graça ,
É um supremo poder.

No ventre,
Tinham a marca do pirão,
Farináceo que dilata os intestinos;
No rosto,
Um sorriso de gratidão,
Pela minha compreensão.
Só eu,
Ao que parece,
Compreendia os seus destinos.
Os outros
Viam na Rosa
A carne satisfeita.
Faziam dela a prostituta eleita,
E depois partiam, sem mais contemplações.
E ela,
A máquina humana do prazer,
Satisfazia machões,
Para alimentar os filhos,
Para os não deixar morrer

Filipe Raimundo

sexta-feira, 26 de março de 2010

O TAXI CORRIDA CONTRA O CAUDAL


O táxi corria contra o caudal


O táxi corria contra o caudal

das ruas, um rio volumoso

saltando das margens, peões

carros febris,

todos os relógios contra o seu.


Chegaram ao Paris Orly. Ainda

com tempo para um fogo

interior, amargo

de um café, como fogueira

no centro de um campo de sonhos.


Quando a última voz chamou

os viajantes para o voo, o adeus

e os beijos morreram nos lábios

e lembram-se da meia-volta final

antes de se tornarem voláteis.


23-12-2006

João Tomaz Parreira

BAILARINA DE FLAMENGO


BAILARINA DE FLAMENCO


Ela derrama água nos seus pés,
quando dança com o vestido
em chamas,
ela põe fora da boca
o coração cansado.
Seus dedos como os pardais
procuram fugir,
como os sapatos de flamenco
na madeira do soalho.

J.T.Parreira

CONTINENTE MORIBUMDO

Continente moribundo


As árvores agonizam lentamente,
Num esgar conformado de inocência,
Vergam a veludez macia à violência
de civelizações que se dizem avançadas;
Morem queimadas, partidas, derrubadas,
Carbonizadas pelas chamas da ambição,
E nem um ai de revolta lhes sai do coração.

Perderam já, acor selvagem do verde,
Agora,...Em convulsões de sêde,
Pintam-se de cinzento, para abreviar a morte.
E nem só elas tiveram essa sorte.
Há os indigenas, como elas condenados
A chafurdar nos lodos sepulcrais;
São impérios derrubados com vileza
Por invenções bestiais, de sábios laureados.

E em tudo isto,
Há um sabor profano a regras violadas,
E o continente africano já não tem
O mistério das selvas imaculadas.
Foram desfloradas a balas de canhão,
Agora, com cadáveres putrefactos
E insepultos pelo chão
Sentem-se agonizadas.



Poema de Filipe Raimundo

quinta-feira, 25 de março de 2010

ROCHA MARQUES- Balada de Henrique de Carvalho


Letra e música de Rocha Marques – Piloto Aviador

Quando a noite veste de sombras o mundo,
E o silêncio me desperta a solidão,
Verto lágrimas e o meu sofrer é profundo,
Põe-me louco de saudade o coração.

Quando os pássaros saudando a madrugada,
Me despertam para a guerra uma vez mais,
Sinto o peso desta a vida amargurada,
Sinto ódio às minhas «asas» infernais.

Quando penso que lá longe ela me espera,
Ansiando pelo dia a chegada,
Grito a Deus que minha alma desespera,
Grito a Deus, mas o silêncio não diz nada.

Oh! Henrique de Carvalho, meu desterro,
Que por dois anos me farás teu prisioneiro,
Se eu morrer quero bem longe o meu enterro,
Quero ser da paz eterno companheiro.

Escrito no AB4 - Henrique de Carvalho * Saurimo - ANGOLA em 1969

J.T. PARREIRA - Os Meninos do Planalto



OS MENINOS DO PLANALTO

Ocorreu-me nesse dia manter a eternidade
na cara dos meninos, manter o tamanho
das suas cabeças, os seus panos
feridos de África, era o que tinham
um olhar
sem fundo, que mantinham sem sonhar
Os olhos, o ranho, a paz na cara que tinham
e desconheciam
como iriam iluminar a câmara escura
do futuro.

J.T.Parreira

22/6/2009

terça-feira, 23 de março de 2010

FILIPE RAIMUNDO - Rádio Farol




Rádio farol, desterro e solidão!
E o barulho de um motor roncando.
E quando à noite, os ratos vão ratando…
O resto é silêncio e escuridão.

As pretas que vêem pedir água,
Chegam à porta,…. Falam em Quiôco,
Na minha face há um sorriso louco,
Mas cá no fundo, somente existe a mágoa.

Mágoa pelo velho negro, que à tardinha,
Sai do capim, como uma cobra esguia.
E a medo vem para mim, falando de mansinho
-“Moio, branco bom, mi dá gasóleo p’rá minha mentolia”.

Mágoa também por mim, aqui perdido….
Algures no Leste de Angola sem ter fim.
Mágoa sim, por mim, aqui perdido!
No meio de uma guerra sem sentido.