sexta-feira, 16 de abril de 2010

ABRIL

ABRIL










Não sentes o ar
ficar febril
E uma nuvem
de penas passar
lá longe, nos teus olhos
solta a janela
e abre o vento
no teu peito
foge
e o perfume
te sustentará
de flor em flor.

14/4/2010
J.T.PARREIRA

segunda-feira, 5 de abril de 2010

TANTOS










TANTOS

Eramos muitos!
Eramos tantos que por vezes,
Nos não encontrávamos no meio da multidão.
Mas eramos!...Estávamos lá!...e existiamos;
Em grupos!...Aos magotes!...
Gregáriamente unidos, como animais com medo!
Gregáriamente unidos, na esperança de uma vós.
Nós!...Soldados que nos fizeram.
Tantos, e contudo tão sós.
Nós!...Que nunca aceitámos ser
Aquilo que éramos.
Mas éramos!...
Uma colónia de loucos em busca de nós mesmos.
Por isso nos embriegávamos,
Para nos libertarmos da farda,
Que nos transformáva em máquinas humanizadas.
Por isso nos drogávamos,
Para alcançarmos nas abstrações do nada,
A dimensão dos nossos sonhos frustrados.
A realidade que nos impunham
Era demasiado cruel!...
Era brutal;
E nós nunca aceitamos ser
A incarnação do mal.
Mas eramos,
Lá!... Em África!...
Nesse Continente que eu antes sonhara virgem,
Natural.
Lá!...Nós fomos os desbravadores dos seus mistérios,
Lá!...Nós fomos os desfloradores
Da sua selvagem virgindade.
Lá!...Eu fui soldado sem vontade,
Por vontade de ditadores de gema;
E foi lá que eu colhi,
A fúria!...A raiva!...E a revolta
Com que escrevi este poema.


Escrito em Tancos em Maio de 1973
Filipe Raimundo

sábado, 3 de abril de 2010

PICASSO


PICASSO

Picasso dá-nos coisas
que nos desorganizam os olhos
as linhas correm
paralelas, e depois
separam-se, os rostos
ficam de repente de perfil
Les Demoiselles velhas
uma forma hoje
não é amanhã
Picasso deixa a cabeça
a nossa, irrequieta.

Do livro de poesia «Os Sapatos de Auschwitz»

J.T.Parreira

quinta-feira, 1 de abril de 2010

PÉROLA NEGRA



Não sei explicar este enigma!
Os outros dizem que é feia.
E eu concordo,
Sou forçado a concordar
Porque ela, é mesmo feia.
Mas!...Paradoxo!
Encontro nela uma beleza singular,
Talvez na forma de rir,
Talvez na forma de olhar,
Talvez!
Sim, talvez porque ao rir,
Não utiliza a hipocrisia,
E não sufoca a gargalhada,
Ri sem fantasia
De qualquer coisa engraçada,
E comunica alegria
Aos outros,
Como ela, malfadados.

Chama-se ROSA!
E a ROSA tem de humano,
A posição vertical.
O resto...
O resto
É de animal irracional.
Não tem ódio no olhar,
Nem rancor pelos tiranos;
Ambições também não tem,
Que a vida
Sempre lhe deu desenganos,
E ela deixou de ambicionar.

Um dia vi-a chorar!
Um soldado lhe batera,
E ela para mim correra a gritar...
- Raimundo! - Raimundo!
- Os tropa me bateu,
- Os tropa me bateu, Raimundo!

- Ah! porco imundo!
- Rosnei eu.
Heróis da podridão,
Vejam...
Um valentão.

Passei-lhe uma das mãos
Pela face tremente,
Duas pérolas rolavam lentamente
Pela face da negrita,
E naquele momento...
Naquele momento,
Achei-a ainda mais bonita.

Não chores Rosita,
Disse eu.
E ela deixou de chorar.
E uma lágrima quente
Veio-se aconchegar,
Na minha outra mão,
Que pendia, inconsciente.
- Os tropa me bateu!
Disse ela novamente.
- O tropa é mau!
Disse eu.
E calei-me
Sem saber que dizer mais.
Aquela é uma rosa
Que não se encontra nos rosais!
Pétalas negras,
Pistilo de marfim,
E dois estigmas dardejantes de pureza,
Que beleza!
Nunca vi outra assim.

De ambos os lados
Tinha um botão a abrir,
Eram os filhos
A olhar para mim!
O Jorge e a Amelonga,
Dois rebentos da desgraça,
Que nasceram para sofrer,
E para provar ao mundo
Que viver,
É uma infinita graça ,
É um supremo poder.

No ventre,
Tinham a marca do pirão,
Farináceo que dilata os intestinos;
No rosto,
Um sorriso de gratidão,
Pela minha compreensão.
Só eu,
Ao que parece,
Compreendia os seus destinos.
Os outros
Viam na Rosa
A carne satisfeita.
Faziam dela a prostituta eleita,
E depois partiam, sem mais contemplações.
E ela,
A máquina humana do prazer,
Satisfazia machões,
Para alimentar os filhos,
Para os não deixar morrer

Filipe Raimundo