sexta-feira, 26 de março de 2010

O TAXI CORRIDA CONTRA O CAUDAL


O táxi corria contra o caudal


O táxi corria contra o caudal

das ruas, um rio volumoso

saltando das margens, peões

carros febris,

todos os relógios contra o seu.


Chegaram ao Paris Orly. Ainda

com tempo para um fogo

interior, amargo

de um café, como fogueira

no centro de um campo de sonhos.


Quando a última voz chamou

os viajantes para o voo, o adeus

e os beijos morreram nos lábios

e lembram-se da meia-volta final

antes de se tornarem voláteis.


23-12-2006

João Tomaz Parreira

BAILARINA DE FLAMENGO


BAILARINA DE FLAMENCO


Ela derrama água nos seus pés,
quando dança com o vestido
em chamas,
ela põe fora da boca
o coração cansado.
Seus dedos como os pardais
procuram fugir,
como os sapatos de flamenco
na madeira do soalho.

J.T.Parreira

CONTINENTE MORIBUMDO

Continente moribundo


As árvores agonizam lentamente,
Num esgar conformado de inocência,
Vergam a veludez macia à violência
de civelizações que se dizem avançadas;
Morem queimadas, partidas, derrubadas,
Carbonizadas pelas chamas da ambição,
E nem um ai de revolta lhes sai do coração.

Perderam já, acor selvagem do verde,
Agora,...Em convulsões de sêde,
Pintam-se de cinzento, para abreviar a morte.
E nem só elas tiveram essa sorte.
Há os indigenas, como elas condenados
A chafurdar nos lodos sepulcrais;
São impérios derrubados com vileza
Por invenções bestiais, de sábios laureados.

E em tudo isto,
Há um sabor profano a regras violadas,
E o continente africano já não tem
O mistério das selvas imaculadas.
Foram desfloradas a balas de canhão,
Agora, com cadáveres putrefactos
E insepultos pelo chão
Sentem-se agonizadas.



Poema de Filipe Raimundo

quinta-feira, 25 de março de 2010

ROCHA MARQUES- Balada de Henrique de Carvalho


Letra e música de Rocha Marques – Piloto Aviador

Quando a noite veste de sombras o mundo,
E o silêncio me desperta a solidão,
Verto lágrimas e o meu sofrer é profundo,
Põe-me louco de saudade o coração.

Quando os pássaros saudando a madrugada,
Me despertam para a guerra uma vez mais,
Sinto o peso desta a vida amargurada,
Sinto ódio às minhas «asas» infernais.

Quando penso que lá longe ela me espera,
Ansiando pelo dia a chegada,
Grito a Deus que minha alma desespera,
Grito a Deus, mas o silêncio não diz nada.

Oh! Henrique de Carvalho, meu desterro,
Que por dois anos me farás teu prisioneiro,
Se eu morrer quero bem longe o meu enterro,
Quero ser da paz eterno companheiro.

Escrito no AB4 - Henrique de Carvalho * Saurimo - ANGOLA em 1969

J.T. PARREIRA - Os Meninos do Planalto



OS MENINOS DO PLANALTO

Ocorreu-me nesse dia manter a eternidade
na cara dos meninos, manter o tamanho
das suas cabeças, os seus panos
feridos de África, era o que tinham
um olhar
sem fundo, que mantinham sem sonhar
Os olhos, o ranho, a paz na cara que tinham
e desconheciam
como iriam iluminar a câmara escura
do futuro.

J.T.Parreira

22/6/2009

terça-feira, 23 de março de 2010

FILIPE RAIMUNDO - Rádio Farol




Rádio farol, desterro e solidão!
E o barulho de um motor roncando.
E quando à noite, os ratos vão ratando…
O resto é silêncio e escuridão.

As pretas que vêem pedir água,
Chegam à porta,…. Falam em Quiôco,
Na minha face há um sorriso louco,
Mas cá no fundo, somente existe a mágoa.

Mágoa pelo velho negro, que à tardinha,
Sai do capim, como uma cobra esguia.
E a medo vem para mim, falando de mansinho
-“Moio, branco bom, mi dá gasóleo p’rá minha mentolia”.

Mágoa também por mim, aqui perdido….
Algures no Leste de Angola sem ter fim.
Mágoa sim, por mim, aqui perdido!
No meio de uma guerra sem sentido.