sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

LUMINOSIDADE - por José Felix


Luminosidade

na luminosidade sombria do quarto
morri a infância ganha no futuro.
as paredes vazias de objectos lavrados
na escritura só têm importância
na possibilidade da reinvenção

 de vozes infantis, do sol que vem
da clarabóia, do tecto de zinco,
ou da mão nua e quente de minha mãe
que me alisa pedinte o corpo puro
no banho do mês de março do sul.

 como é serena, assim, a morte feita
literatura, mesmo se dói de imaginação
acompanhada de um requiem de verdi
ou de mozart, com as mãos em cruz como os cristãos,
aguardando que o tempo deixe de ser tempo

e seja só uma falácia como a luz
que entra no quarto que eu ensombro
talvez por uma questão de conveniência.
kyrieleison confutatis, confutatis.
como apetece a morte ouvindo as vozes

 religiosas, longínquas, perto
do poder de decisão e fazer
nada, absolutamente, e deixar
que me morra também a fala do silêncio;
das árvores o cheiro, e dos pássaros

que pernoitam nas árvores as asas
que desenham no céu as linhas possíveis
da vida que voando vai caindo
na falésia íntima de uma oração
silenciosa sem rogo sem religião.

 no quarto, a habitação do sonho lúdico
jogo perfeito de reflexos da morte.
tenho saudade da não existência
da perfeição da luz na sombra da vida
e duma paz que me sorri morrendo.

josé félix

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

OS MENINOS DE SUA MÃE de João T. Parreira


Ocorreu-me nesse dia gastar a eternidade
na cara dos meninos, manter o tamanho
das suas cabeças, os seus panos
feridos de África, era o que tinham
um olhar
mantiveram-no fundo e sem sonhar
Os olhos, o ranho, a paz na cara que era deles
não sabiam
como iriam iluminar a câmara escura
do futuro. 

(j.t.parreira)
 
Crianças de uma das sanzalas de Henrique de Carvalho, foto tirada por mim em 1969.