sábado, 26 de março de 2016

A RESSURREIÇÃO


sem nada para chorar
senão um túmulo vazio
e dois anjos a arrumarem a casa
vazia para sempre
sem nada sobre o que derramar o seu incenso
as mulheres
recém chegadas ao sepulcro
vão gastar os olhos na vigília
as mulheres sem um corpo onde encostar
o seu olhar silencioso
o fio das suas lágrimas
e regressam, as mulheres
regressam com o vento nas sandálias
as mulheres que vêm com o medo
mas com os cabelos como os ramos
perfumados de alegria.

© João Tomaz Parreira

quinta-feira, 17 de março de 2016

O LUGAR ONDE 1


1
o lugar onde
me circunstancio
é a clareira
da memória, rara,
que leva os dedos
para o corpo feito
de um desejo,
que ficou na cinza
de um fogo aceso
e consumido, breve,
na emoção
de uma palavra em chama.

o lugar, brasa
que me veste o corpo,
fotografia
de um olhar cativo
− a circunstância
dupla e eficaz,
e que regista
a memorização
do próprio fogo
de todo o lugar.

é uma fuga
o local da memória.

In O Lugar Onde
José Félix

domingo, 13 de março de 2016

RESPONDE-ME


(para todos aqueles que a doença lhes bate à porta sem avisar)

Versus finem

A doença vai minando o teu corpo cansado
E reparo que os anos te tornam mais lento
No passo vagaroso e no teu pensamento,
E parece tão breve o tempo já passado.

O vigor da memória de que eras dotado
E que muito retinha num breve momento
Entrou de enfraquecer em passo sem alento
E olho-te, com pena, nesse teu estado!

E, contudo, eu sei que a vida é contingente
E que em todo o momento a morte é iminente
Porque o nosso viver é limitada viagem.

Verdades que os homens vêem dia a dia,
E que todos aceitam em pura teoria,
Mas que vivencialmente parecem miragem !
Jcorredeira

domingo, 6 de março de 2016

LÁZARO À PORTA DO RICO


Deixa que venha o cão da ternura
e amacie as tuas feridas, a rosa
de carne que aguentará mais um inverno.
Deixa que venham as migalhas, gotas de pão
come como as aves com o rosto virado para
o chão, não tens outro lugar, até que o céu envie
os anjos, eles vêm adiante dos pés de Deus
para amaciar o caminho. Deixa que venham
para te carregar na doce imensa
rosa das suas mãos.
© João Tomaz Parreira
(Foto do DN)