domingo, 30 de outubro de 2016

CAVEM MAIS FUNDO


“Ele grita cavem mais fundo no reino da terra”
Paul Celan (in Fuga da Morte)
Por que será que eles cavam e cavam
Enterram as pás mais fundo na terra
As pás com os seus fios rombos de navalha
Vão encurtando as horas da vida, eles sabem
O que os olhos já viram, mas agora os seus olhos
Não acompanham as mãos
Sob as ordens como pedras, a voz diz
Cavem mais fundo para o reino dos céus.
18-05-2016
© João Tomaz Parreira

domingo, 23 de outubro de 2016

RAZÃO

Razão,a excelente faculdade,
Que penetra no âmago do ser,
Cuja essência procura entrever
E distinguir o erro da verdade.

É também um farol, luz rutilante
Que rasga a cerração da noite escura
Tornando a rota clara e mais segura
Ao homem, esse inquieto navegante.

Mas na sua vida em permanente luta,
Quanta vez ele desvia sua conduta
Dos caminhos traçados p'la razão!

É que o homem é mais que pensamento;
É afectividade , é sentimento,
É amor puro e é também paixão...
JC

domingo, 16 de outubro de 2016

TODOS OS DIAS O CARTEIRO

todos os dias o carteiro traza depressão que lhe convém. depoisevade-se no elevador do prédioe tira à pressa, da camisa branca,os comprimidos que carregam sonhosou os desfazem, dependendo doponto de vista de cada um. Ulissesanda perdido na cidade, e Atenaconhecedora e sábia dos oráculos,demorará o tempo necessáriopara que algum dos deuses se convençae leve o velho marinheiro a Ítaca;só quando a face da mulher que esperanão for sequer o espelho da partida.

josé félix

domingo, 9 de outubro de 2016

CASA DA CAOTINHA

BENGUELA, TERRA DAS RUBRAS ACÁCIAS


Do alto da rochosa casa a pensar,
Oiço o doloroso ranger dos remos,
Na sombra do jango ouvindo o mar,
Sinto os barcos gritarem nas águas,
Apetece-me rir e chorar,
Não sei que fazer às mágoas.

Caotinha, 28 de Novembro de 1999
Faria Costa

domingo, 2 de outubro de 2016

O BOMBARDEIRO


“Meditai que isto aconteceu”
Primo Levi
Passei aqui muitos voos de joelhos, orando
Com os olhos atentos ao soberano deus
Morte, com a morte de aço entre os meus dedos 
Na mira dos homens, enquanto nas casas cálidas
Ninguém suspeitava e eu era um anjo 
Com asas de alumínio, os meus ouvidos
Longe das súplicas a dez mil pés de altura
Testemunham do meu lugar de bombardeiro
Cada ribombar do trovão na noite iluminada
Eu sou o fogo nas ruínas, uma alma
A destruir as outras almas.

27-10-2015
© João Tomaz Parreira