quinta-feira, 1 de abril de 2010

PÉROLA NEGRA



Não sei explicar este enigma!
Os outros dizem que é feia.
E eu concordo,
Sou forçado a concordar
Porque ela, é mesmo feia.
Mas!...Paradoxo!
Encontro nela uma beleza singular,
Talvez na forma de rir,
Talvez na forma de olhar,
Talvez!
Sim, talvez porque ao rir,
Não utiliza a hipocrisia,
E não sufoca a gargalhada,
Ri sem fantasia
De qualquer coisa engraçada,
E comunica alegria
Aos outros,
Como ela, malfadados.

Chama-se ROSA!
E a ROSA tem de humano,
A posição vertical.
O resto...
O resto
É de animal irracional.
Não tem ódio no olhar,
Nem rancor pelos tiranos;
Ambições também não tem,
Que a vida
Sempre lhe deu desenganos,
E ela deixou de ambicionar.

Um dia vi-a chorar!
Um soldado lhe batera,
E ela para mim correra a gritar...
- Raimundo! - Raimundo!
- Os tropa me bateu,
- Os tropa me bateu, Raimundo!

- Ah! porco imundo!
- Rosnei eu.
Heróis da podridão,
Vejam...
Um valentão.

Passei-lhe uma das mãos
Pela face tremente,
Duas pérolas rolavam lentamente
Pela face da negrita,
E naquele momento...
Naquele momento,
Achei-a ainda mais bonita.

Não chores Rosita,
Disse eu.
E ela deixou de chorar.
E uma lágrima quente
Veio-se aconchegar,
Na minha outra mão,
Que pendia, inconsciente.
- Os tropa me bateu!
Disse ela novamente.
- O tropa é mau!
Disse eu.
E calei-me
Sem saber que dizer mais.
Aquela é uma rosa
Que não se encontra nos rosais!
Pétalas negras,
Pistilo de marfim,
E dois estigmas dardejantes de pureza,
Que beleza!
Nunca vi outra assim.

De ambos os lados
Tinha um botão a abrir,
Eram os filhos
A olhar para mim!
O Jorge e a Amelonga,
Dois rebentos da desgraça,
Que nasceram para sofrer,
E para provar ao mundo
Que viver,
É uma infinita graça ,
É um supremo poder.

No ventre,
Tinham a marca do pirão,
Farináceo que dilata os intestinos;
No rosto,
Um sorriso de gratidão,
Pela minha compreensão.
Só eu,
Ao que parece,
Compreendia os seus destinos.
Os outros
Viam na Rosa
A carne satisfeita.
Faziam dela a prostituta eleita,
E depois partiam, sem mais contemplações.
E ela,
A máquina humana do prazer,
Satisfazia machões,
Para alimentar os filhos,
Para os não deixar morrer

Filipe Raimundo

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