domingo, 29 de março de 2020

UM ANTI-REQUIEM NO HOSPITAL


Deitado num convés de lençóis ondulados
Os barcos ao lado ostentam o próximo
Remanso dos adormecidos
A certa altura o tecto é uma ilusão de óptica
Torna-se um limite que os olhos perfuram
A certa altura de uma certa altura
Apagam-nos a claridade, é a hora
De atravessar as águas da noite
Como um bálsamo de Gileade
No silêncio hospitalar.
06/10/2018
© João Tomaz Parreira

domingo, 22 de março de 2020

A VOZ DO MAR


Ofereço este soneto, a todos aqueles que passam o tempo em segurança,
A minha esperança no povo português. Como outrora, sem medo e corajoso, desbravou o mundo com a sua fé e valentia. Vamos vencer.!...🇵🇹❤️

A voz do mar
Fugi da multidão anónima e cinzenta,
De cafés cheios de olor a fumo e aguardente
Onde me sinto ignoto a toda aquela gente,
Numa atmosfera amorfa, opaca e barulhenta.
E sigo para o mar de vaga suave e lenta
Que vem pousar na costa um ósculo ardente,
E em sua voz de segredo, mágica, lugente,
Me narra um historial, que me seduz e tenta.
E vejo tanto herói a enfrentar a morte,
E tantas caravelas sem leme e sem norte
Após desafiarem louca tempestade.
E nestas descobri as marcas do meu povo
Que para um dia haver um mundo extenso e novo
A tudo disse adeus, excepto à saudade.


Jc
foto: do próprio

domingo, 15 de março de 2020

UM DEDO ENTRE OS OLHOS


É no vidro cendrado que descubro
o olhar de sombra
que observa e lê a máscara de ternura
e afaga o lírio morto entre os dedos
Neste cubo fechado andam vultos
que digladiam gestos com as bocas
hiantes de palavras perdulárias
O tempo é o desenho no vidro
que viaja com o sopro da fuligem.

José Félix
2020.1.24

domingo, 8 de março de 2020

UM "PAI" EM DESESPERO.


Encontrei-o sentado junto à porta
Da sua barraca feita de pobreza;
No semblante, estampava-se a tristeza

Que a sua vida já quase não comporta.

A face era enrugada quase morta;
Olhou-me de alto a baixo com frieza
E respondeu com laivos de aspereza
À mensagem que, penso, até conforta.

Segui o meu caminho a meditar
Nas palavras que tentavam consolar
Um homem na miséria e meu irmão...

E pareceu-me ouvir Cristo Jesus:
<< Ao homem infeliz e sob a cruz
Diz lhe a palavra, mas envolta em pão>>!...



Jc

domingo, 1 de março de 2020

CHUVA DE MARÇO - LUANDINA


na folha de zinco
o cio dos gatos arrasta a chuva.
ouve-se o chiar dos morcegos
à roda dos mamoeiros.
os passos, serenos, de minha mãe,
calam-se na porta do quarto,
e a água distancia-se
na sombra dos olhos.
o cheiro forte, da pitangueira,
alerta um par de cílios.

José Félix