domingo, 31 de julho de 2016

VOZES AMIGAS


Ouço as vozes tão perto e tão distantes,
Que me chegam repletas de amizade,
A despertar em mim uma saudade
Cujo pungir eu não sentira antes.

Batem os corações mais anelantes
Que aliviam minha alma em ansiedade,
E suavizam a dura soledade
Em noites preguiçosas, fatigantes.

E pra além da distância no espaço
Acompanha-me sempre o vosso abraço
Referto de calor e simpatia.

Ó amigos, que amo e compreendo!
Também eu, tantas vezes, vos relembro
Em horas de tristeza e alegria.



J.C.

domingo, 17 de julho de 2016

A MOLDURA DE BARRO


toco-te
como se acariciasse
um jarro de cerâmica 
acabado de moldar
com as minhas mãos
criador dos sentidos
deus é pouco
no muito que consigo
nos gestos transitórios
se isto é amor
ou não é, não sei
perco-me no barro morno
e recrio outro modelo
enquanto a água goteja
no colo do jarro.

José Felix

domingo, 10 de julho de 2016

TATUAGENS









Era costume, nas décadas de 60 e 70 do século passado, os militares trazerem da Guerra Colonial, tatuagens; cada um trouxe as que pôde:


Estas são as tatuagens do outro lado, de dentro
Da minha alma.

A ponta da agulha
Substituída pelo aparo, a única fronteira
Entre a palavra e a celeste planície
Da poesia, riscava a pele, no papel
Branco, ouvindo o silêncio das palavras, ainda
Sem nada a declarar, onde tudo começava.

Depois
Guardei todas aqui como raízes da memória.

16-10-2015
© João Tomaz Parreira


domingo, 3 de julho de 2016

AMANHÃ !


Chega a noite triste e mansa
Parte o dia devagar,
Fica uma réstia de esperança
P´ra quando a manhã chegar.
Vêm meninos da rua
Não sabem ter alegria,
Trazem graxa na sacola
Nunca foram à escola
Esperando o novo dia.
Camiões de chapa amolgada
Levando na carga o povo,
Seguem ao longo da estrada
Toda ela esburacada,
Esperando o dia novo.
Chegam do lado do mar
São mulheres de quem as queria,
Sempre a mesma viagem
Trazem filhos na bagagem,
Esperando o novo dia.
Saco cheio de nada,
Na barriga nada de novo,
È o regresso malvado
Desse tempo metralhado,
Esperando o dia novo.
É na esperança do povo
Qual paz tão fugidia,
Que se espera o dia novo
Que se aguarda o novo dia.


Lobito,10 de Maio de 1998
Faria Costa

Costumo escrever com alguma frequência textos sobre desporto, política, tricas do quotidiano, quiçá assuntos de carácter geral. Seguramente que tais textos encontrarão diferenças de opinião, concordâncias e discordâncias.
Hoje para amenizar a leitura, decidi oferecer-vos um «poema”, que escrevi em Angola, Lobito 1998, em plena guerra civil Angolana, quando ali cumpri uma missão no âmbito da Cooperação Técnico-Militar.
Este «poema» mostra a verdade nua e crua que ao tempo se vivia em Angola.
Revela também como era o meu caso, que os militares têm sensibilidade e sentimentos que na maior parte dos casos nada têm a ver com o calibre das munições e o sentido da guerra.
A minha visão de Angola em 1992 era aquela que vos descrevo neste despretensioso «poema».