domingo, 26 de julho de 2020
SONHO E REALIDADE
Adormeço. E perco a consciência
De qualquer ruído ou voz de gente
Que me desperte à existência.
Mergulhado no vazio do não-ser,
Nem sei mesmo se existo,
Com espírito e figura
Mergulhados no seio
Da noite muda, escura.
Onde estará o pensamento,
A emotividade, o sentimento
A liberdade, a fantasia,
Que me davam novo alento,
Quando, ao romper da aurora,
Já consciente e atento,
Eu via nesse agora,
Que acabava de emergir,
Mais um novo dia
Misterioso e consciente reflexo
Do passado, do presente e do porvir?
Onde o velho relógio, que fiel, obediente,
Me despertava a recordar a hora,
Ponto de referência
Para o ontem e o agora
A olhar, com esperança on amanhã?
Jc
domingo, 19 de julho de 2020
NÃO HÁ MÃOS
Não há mãos quando a morte sobrevém.
a palavra, o esqueleto da linguagem
ganha formas bizarras no caminho
da vida carpideira, com a imagem
a palavra, o esqueleto da linguagem
ganha formas bizarras no caminho
da vida carpideira, com a imagem
do sol inatingível cocegando
o rosto que da sombra tira luz
bebendo a parca sede que lhe resta
do fio de água que já não conduz.
o rosto que da sombra tira luz
bebendo a parca sede que lhe resta
do fio de água que já não conduz.
na escuridão da fala não há nomes
nem há figura de estilo que valha
que sobreviva a tanta quietude.
nem há figura de estilo que valha
que sobreviva a tanta quietude.
é que morte é simplesmente morte.
até de um corpo belo de desejo
não ná mais do que ter esta atitude
até de um corpo belo de desejo
não ná mais do que ter esta atitude
se é luz ou se é a sombra dela
José Félix, Teoria do Esquecimento, Temas Originais, Lda., 2009, pág. 37
domingo, 12 de julho de 2020
TANTOS
Eramos muitos!
Eramos tantos que por vezes,
Nos não encontrávamos no meio da multidão.
Mas eramos!...Estávamos lá!...e existiamos;
Em grupos!...Aos magotes!...
Gregáriamente unidos, como animais com medo!
Gregáriamente unidos, na esperança de uma vós.
Nós!...Soldados que nos fizeram.
Tantos, e contudo tão sós.
Nós!...Que nunca aceitámos ser
Aquilo que éramos.
Mas éramos!...
Uma colónia de loucos em busca de nós mesmos.
Por isso nos embriegávamos,
Para nos libertarmos da farda,
Que nos transformáva em máquinas humanizadas.
Por isso nos drogávamos,
Para alcançarmos nas abstrações do nada,
A dimensão dos nossos sonhos frustrados.
A realidade que nos impunham
Era demasiado cruel!...
Era brutal;
E nós nunca aceitamos ser
A incarnação do mal.
Mas eramos,
Lá!... Em África!...
Nesse Continente que eu antes sonhara virgem,
Natural.
Lá!...Nós fomos os desbravadores dos seus mistérios,
Lá!...Nós fomos os desfloradores
Da sua selvagem virgindade.
Lá!...Eu fui soldado sem vontade,
Por vontade de ditadores de gema;
E foi lá que eu colhi,
A fúria!...A raiva!...E a revolta
Com que escrevi este poema.
Escrito em Tancos em Maio de 1973
Filipe Raimundo
domingo, 5 de julho de 2020
TENTEI SER POETA
Um dia, nem sei como, tentei escalar
O Parnaso, alto monte, onde os grandes poetas,
Que, na Terra, atingiram as difíceis metas
Da poesia em que tudo é arte e é sonhar!
E fui subindo, a custo e com muito vagar,
Olhando para o alto e seguindo as setas,
Que essas almas dos vates sempre irrequietas
Gravaram na estrada para nos guiar.
Mas o caminho é longo, áspero e tortuoso,
Umas vezes escuro e outras luminoso,
E tantos se ficaram a meio da viagem!
Depois de muito andar e já quase esgotado,
Olhei por largo tempo o cume desejado,
E vi que, para mim, era apenas miragem...
júlio corredeira
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