sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

PARA UMA NOITE DE NATAL - por João T. Parreira



PARA UMA NOITE DE NATAL EM ALGUM LADO

Todos
sentados à volta da mesa, ou quase
todos a olhar para as iguarias, todos
pedem e dão algo no Natal
todos os anos se repete
a mesma palavra familiar
mas por vezes falta um rosto
e há lentas sílabas
pronunciadas a custo
a eternidade 
que volta sempre ao mesmo sítio
mortes que se levantam do silêncio.

24/12/2012
© João Tomaz Parreira

A MORTE DA VIDA por José Felix


A morte da vida


Vivo amarrado à barca de Caronte
à espera de naufrágio que me leve
rogando a Zeus para que a hora breve
me mate a sede, a dor de que sou fonte.
Nauta, cantante da viagem dura
-- jornada alterosa do navio --
eu passo os dias de fio a pavio
no corpo que navega a mão segura.
Láquesis, Cloto, Átropos, as parcas
vão comandando o leme desta trama
que a teia tece, suga e reclama
levando para Hades nossas marcas.
Nascemos com a moeda sob a língua
para pagar a morte até à míngua


José Felix

Imagem de: artoyster.com

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

POR QUE de João Tomaz Parreira



POR QUE 



Eu escrevo porque estou inquieto 
com a palavra a cortar a luz do sono 
e o instante passa, a respiração 
vem detalhada 
à mesma hora como oxigénio e água
às vezes como um rio de leões - dizia Lorca
outras como o regato onde arriscou Ofélia, a vida 
não é a seda
que nos foi outrora prometida


18/11/2012
© João Tomaz Parreira

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

NÃO PODES TRAZER DE VOLTA de João T. Parreira




NÃO PODES TRAZER DE VOLTA

« Y cuando llegue el dia del último viaje, / y esté al partir la nave que nunca ha de tornar »
Antonio Machado


Não podes trazer de volta

a primeira primavera

das rosas no limiar ainda

das estrelas, nem a primeira

neve a enrolar seu corpo

de água, não podes

trazer de volta a espuma

a primeira espuma 

no mar alegre e claro

não podes trazer de vol
ta

o infinito, o olhar divino

depois de terminar o Homem

as mãos do teu primeiro filho

dentro das quais teu coração
 
se fez pequeno, já não podes
 
trazer de volta os teus 

primeiros passos, longe ficaram
 
no teu já longo caminho.


s/data
© João Tomaz Parreira

Foto: H. Carvalho
Aníbal Oliveira


sexta-feira, 23 de novembro de 2012

A POSSIBILIDADE DA ESCRITA por José Felix


a possibilidade da escrita


do corpo, a imagem, sombra
da imaginação incorpórea


uma nuvem desfaz-se
no olhar dos afectos


as arestas das pedras são
a possibilidade do poema
na palavra diamantina
e no buril da mão
que afaga a essência
da metáfora na escritura




uma gota de água
não é uma simples gota de água



é o espelho universal da criação.



josé félix

Imagen de Gêmeos-espelho escrita por Gemini Yaoi. 

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

NOITES BRANCAS - por João Tomaz Parreira





NOITES BRANCAS

Um homem e uma mulher encontram-se 
sobre a ponte do Nieva, a noite baloiça
no pináculo dos prédios, no céu

branco, cai, não cai
Encontram-se para uma forma de sonho
para uma forma de amor
que dedilham nas mãos enlaçadas.
22/10/2012
© João Tomaz Parreira 

(uma leitura de "Noites Brancas", de Dostoievski)

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

DA INOCÊNCIA DO SONHO por José Felix


da inocência do sonho

Innocent when you dream
Tom Waits
álbum Glitter and Doom (2008)



nas palavras e gestos voam asas

como um homem sem boca anunciasse

um amor casto, e só houvesse na árvore

um par de pássaros sem sexo e lúdico



o canto da ave solitária diz

que a inocência do sono é a mutilação

do sonho cru da mulher inventada

na noite branca, lúbrica, impudica



que sonho e que inocência me afastam

da realidade tridimensional

no tríptico da vida separada?



a árvore sem fruto, o canto surdo

pecado da maçã, o novo éden

o juízo de caim, epifanias



que enfeitam o descanso nu dos mortos



josé félix

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

ROUBO por João T. Parreira


ROUBO

Uma palavra lançada à toa
poderá quebrar o cristal
do momento, fará partir
a ave que respira
a custo
Mas que importa
o ar exíguo
entre os lábios?

24/7/2012
© João Tomaz Parreira

sábado, 18 de agosto de 2012

À SOMBRA DOS CAVALOS por José Felix

à sombra dos cavalos

nasci há 4.500 anosem almendres

e no cobre do tempo temperei

o vaso e a espada, que desenhei

para defender dos inimigos o meu clã.

orávamos palavrasincompreensíveis

para o rumor das árvores em dias

de ventania. risquei sóis e bucrânios

com litos do xamã ouvindo cantos

de zambujeiro, fúnebres, iguais

à fala para a morte de um imberbe.

na paciência dos dias tive a mulher

que me coube pelo poder do braço

até que um homem novo ma tirou

e senhor do poder de ler os sinais

incendiou o meu coração.

quando fui para longe

recolhi-me na gruta do escoural

e adormeci à sombra dos cavalos.

josé félix


sexta-feira, 20 de julho de 2012

VILANCETE por José Felix


vilancete




em teus olhos o meu espelho

que farei com tanto, amor,

ai, de mim, minha senhor.



minha penélope, aquieta,

é na renda do teu corpo

que com minhas mãos me perco

e no tempo da ampulheta

me tomas com todo o ardor,

ai, de mim, minha senhor.



coa doçura de nausicaa

encanta-me o teu falar

e em todo o gesto de amar

bailam as notas da música;

tão leves, suaves, melódica,

que me vou em tanto amor,

ai, de mim, minha senhor.


José Felix

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Quando Flutuam Icebergs no Whisky - por João T. Parreira


QUANDO FLUTUAM ICEBERGS NO WHISKY





Quando no whisky flutuam

icebergs
os meus olhos refrescam-se antes
dos meus lábios e a língua
é um Titanic muito próximo
de afundar-se.


© João Tomaz Parreira

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Dois Sonetos Ingleses - de José Félix


DOIS SONETOS INGLESES
1
Se verto um verso com ou sem lição
na vida de desvão falecimento
se o poema corre as bocas de vazão
que culpa eu tenho desse vil momento?
Se da palavra permanece ou não
o fogo, a chama do acontecimento
que diz da vida, o soprar do pulmão,
que sei eu do pó o materno alimento?
Se com a escrita forte de varão
falo de ideias, cópulas que invento,
fodem-se os filhos da pobre nação
e o país morre de entretenimento
– de gozo, de luxúria até mais não –
cada verso que escrevo é sem razão.

2
Se a esquina é o senão do sentimento
o incenso aroma assim tua razão.
Se a vingança declara a alimento,
cada terço que gravo é negação.
E, por tal, o presente, neste intento;
sem passado e futuro, pois então.
A errância que escrevo no momento
dá-me a rima, declaro a intenção.
Eu já sei o porquê do atrevimento
embora vá incauto e venha em vão.
Com o peso profundo do momento
— nos enlaces da minha libação —.
Não vale a pena o tal discernimento,
cada verso que escrevo é sem razão.


José Félix

sexta-feira, 25 de maio de 2012

NOITES DE ANGOLA de Filipe Raimundo



NOITES DE ANGOLA


 Em Angola,
 As noites eram tão quentes
 Como a febre dos doentes.

 Eram tão quentes as noites!
Tão vermelhas, das queimadas,
Tão negras...tão revoltadas...
Tão sequiosas...tão belas...
Como as mulatas deitadas
Nas cubatas sem janelas.

Angola 20-10-1972

  
Filipe Raimundo

sexta-feira, 18 de maio de 2012

A DANÇA DE SALOMÉ de João T. Parreira


A DANÇA DE SALOMÉ


Valeu uma cabeça, o corpo
a sair dos véus, a luxúria
enlaçava os braços
nus dançando, os olhos
seduzindo a morte,
como poços negros
convidavam
ao prazer da carne
mais escondido.

Valeu uma cabeça, cada perna
a esgrimir com os desejos
como um florete frio.

Valeu uma cabeça, a bela
cabeleira a fustigar
o ar enlouquecido.

8/5/2012
© João Tomaz Parreira

sábado, 5 de maio de 2012

DIA DA MULHER


O DIA DA MULHER, MAS QUE DIA É ESSE?!!
O DIA DA MULHER SÃO TODOS OS DIAS...
ELAS NOS DÃO AMOR, MUITAS ALEGRIAS...
E O HOMEM POUCAS VEZES RECONHECE.

DEVEMOS À NATURA ESSA BENESSE,
PORQUE SEM ELA NADA EXISTIRIA,
E O AMOR NO MUNDO NÃO HAVERIA!
E SE HÁ VIDA É PORQUE POR NÓS PADECE.

PORQUÊ APENAS SÓ UM DIA PARA ELAS?!!
SE O QUE EXISTE NO MUNDO LHES PERTENCE
MESMO QUE SEJAM POUCO OU MUITO BELAS.

QUAL SEXO FORTE?...SE É ELA QUE VENCE
COM AMOR E CARINHO AS QUERELAS,
E COM SUA RAZÃO TERNA NOS CONVENCE!


Rui Jofre PIL

sexta-feira, 13 de abril de 2012

A QUEIMADA - de Filipe Raimundo


A QUEIMADA



Houve hecatombes na selva
De feras surpreendidas nos covis.
Holocaustos ofertados
Aos deuses desconhecidos
Dos caçadores de ambições.

E as chamas em convulsões,
Traçavam rasgos no ar,
Para imitar o luar
Das noites iluminadas.

Gritavam macacadas espavoridas.
E as gazelas queimadas,
Gemiam no estertor das despedidas.

Os leões e as panteras
Lançavam roncos com eco
Na noite violentada.
E por cada baforada,
Extinguia-se uma vida com nobreza.

A noite ganhou mais vida
Com a morte da natureza.
Da terra brotava o sangue
Das bestas causticadas.
E as chamas ensanguentadas,
Davam matizes ao céu
De tintas nunca criadas.

Pinceladas,
Que um artista não traçou
Por impotência.
E do meio da violência
Sobressaia a imponência
Da grandeza da ribalta.
A noite já ia alta
E a selva sempre a arder.
Para trás ficava a cinza
Com um sabor quente ao prazer
Das grandes emoções.

E árvores velhas,
De milenares gerações,
Erguiam troncos queimados,
Plantados em orações.
Mas os deuses assustados
P'los homens destruidores,
Ficavam paralisados nos andores,
Enquanto os vis ditadores
Da morte e destruição,
Derrubavam com paixão,
A tiros de balas certeiras,
As feras que mais ligeiras,
Fugiam à expiação.

Filipe Raimundo
Imagem - Quadro de 
Lourdes Ximeno Lopes

quinta-feira, 29 de março de 2012

A PERSEGUIÇÃO DA SOMBRA - por José Felix

A perseguição da sombra

a vida, na moldura da janela
brinca na copa fina do arvoredo
no segredo da fala dos duendes
que povoam as sombras moribundas.
há restos de linguagem nas ramadas
deixada nos sussurros da loucura
_ a guarda de futuros arquivados
na casca nobre já em combustão.
a memória das coisas simples arde
na impaciência do olhar que se esgota
nas folhas secas de estações malditas
que se repetem com o calendário.
a realidade que persegue a sombra
jamais terá a luminosidade 

josé félix


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A FALA DO SILÊNCIO - por José Felix

a fala do silêncio

tenho a água que me resta
da sede que me coube em partilha.
cada gota na língua é um nódulo
íngua de ferida que renasce
em cada limo.
pertence-me esta sede, benévola
liturgicamente guardada no pólen
dos lábios, na fala do silêncio mais íntimo
onde a humidade afaga o húmus
o fogo da semente da primeira palavra


José Felix

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

HINO DOS SALTIMBANCOS



                        HINO DOS SALTIMBANCOS
                        Letra: Franklin Santos

                        Saltimbancos pensai bem
                        Naquilo que somos nós
Uns aqui outros além
Nunca nos sentimos sós

Pilotos são saltimbancos
Mecânicos também o são
Sejam pretos sejam brancos
Todos usam galardão

Canseiras noites perdidas
Muito esforço dispendido
Horas tristes já esquecidas
Por tudo termos vencido

Saltimbancos que partistes
Meditai pela vida fora
Que aquilo que vós sentistes
Sentem também os de agora

Saltimbanco usas no peito
Um canguru radiante
Vê o Céu vê o teu feito
Calado ele diz-te avante

Saltimbancos que tombaste
Sê-lo-eis por toda a vida
E a saudade que deixastes
Nunca mais será esquecida

                           
                            Luso/Angola
                            Ano de 1973

21/12/1973 Entregue ao Fernando Pina.      

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

LUMINOSIDADE - por José Felix


Luminosidade

na luminosidade sombria do quarto
morri a infância ganha no futuro.
as paredes vazias de objectos lavrados
na escritura só têm importância
na possibilidade da reinvenção

 de vozes infantis, do sol que vem
da clarabóia, do tecto de zinco,
ou da mão nua e quente de minha mãe
que me alisa pedinte o corpo puro
no banho do mês de março do sul.

 como é serena, assim, a morte feita
literatura, mesmo se dói de imaginação
acompanhada de um requiem de verdi
ou de mozart, com as mãos em cruz como os cristãos,
aguardando que o tempo deixe de ser tempo

e seja só uma falácia como a luz
que entra no quarto que eu ensombro
talvez por uma questão de conveniência.
kyrieleison confutatis, confutatis.
como apetece a morte ouvindo as vozes

 religiosas, longínquas, perto
do poder de decisão e fazer
nada, absolutamente, e deixar
que me morra também a fala do silêncio;
das árvores o cheiro, e dos pássaros

que pernoitam nas árvores as asas
que desenham no céu as linhas possíveis
da vida que voando vai caindo
na falésia íntima de uma oração
silenciosa sem rogo sem religião.

 no quarto, a habitação do sonho lúdico
jogo perfeito de reflexos da morte.
tenho saudade da não existência
da perfeição da luz na sombra da vida
e duma paz que me sorri morrendo.

josé félix

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

OS MENINOS DE SUA MÃE de João T. Parreira


Ocorreu-me nesse dia gastar a eternidade
na cara dos meninos, manter o tamanho
das suas cabeças, os seus panos
feridos de África, era o que tinham
um olhar
mantiveram-no fundo e sem sonhar
Os olhos, o ranho, a paz na cara que era deles
não sabiam
como iriam iluminar a câmara escura
do futuro. 

(j.t.parreira)
 
Crianças de uma das sanzalas de Henrique de Carvalho, foto tirada por mim em 1969.