terça-feira, 30 de dezembro de 2014

31 DE DEZEMBRO





















31 de Dezembro
Por doze badaladas se ganha
Uma ESPERANÇA!
Um frenesim louco procura
Nome a preceito.
Requintada dama!
Traz-nos felicidade, paz desejada ,
Em seu regaço a bonança !
Luzes e perfumes
Esperam por ela !
Cetins coloridos chamam-lhe
NOVA.
É vela em chama, que chega
Criança,
Menina prodígio,alegres canções,
Inebriada de sonhos
Abre corações ,
O povo clama ao som de trova.
Viva, senhora ESPERANÇA !!!

Júlio Corredeira

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

LIBERDADE-DEMOCRACIA



Tanta gente a cantar, em nossa sociedade,
Em amplas praças ou qualquer estreita rua
Duma pequena aldeia sem calçada e nua,
Com raro frenesim, a sua liberdade!

Porém, vejo passar esguio, em ansiedade ,
Um pelintra sem pão , magrote,, esfomeado;
Que não tem para si nem sequer um telhado;
E outro passeia farto e muito aperaltado .
E muitos em vivendas ricas , luxuosas,
E tantos em barracas frias, horrorosas,
A dormirem sem cama, sobre a terra fria.
E eu escuto, de novo o " todos são iguais "
E à "deusa"Liberdade os vivas triunfais!
Não será isto um paradoxo, uma ironia ?!...

Julio Corredeira

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

ANGOLA 1968-1970


ANGOLA 1968-1970
“Recuerdo que escribía cartas” 
Fernando Luis Perez Poza
Recordo-me de escrever cartas
Eram cartas de um lugar obscuro
Mas cartas verdadeiras, recordo
Que as invejava porque iam 
Tocar os dedos da família, ficar sobre os móveis
Da casa que deixei, recordo-me de escrever
Cartas sobre mim, transparentes
A única palavra que recordo
Era amor.
06-08-2014
© João Tomaz Parreira

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Os homens são seres de vida breve

in Odisseia de Homero


1.

na morte
presente e iluminada
atravessando o corpo, beijando a noite, fugindo
se sente a aurora no crepúsculo
da flor.

2.
tenho o vestígio da morte no corpo
a doença marítima de um búzio
que perde o grito silencioso quase
a sonolência longa de um sono breve
nos caminhos da areia rarefeita.
o vento de água cura a ferida aberta
e na contemplação das plantas vivas
mais viva é a morte passageira.
um gesto branco nos lábios de inocência.
3.
na areia da praia encontramos tudo
um brinquedo esquecido
pegadas de gaivotas
um adeus desenhado no coração
um bom-dia imprevisto quando estamos sós
e as espinhas dos peixes limpas pela água
o eco da voz vai com as ondas
que limpam já os passos inseguros
doutro caminho iluminado e breve
frágil no pó dos ossos incendiados
todo o fogo se consome a si próprio.
4.
num simples verso vai, na morte, a vida.
5.
restam o caos e o sonho
e na cegueira da luz
uma fonte incendiada
grava o último reflexo
da infância de um sorriso.
6.
nos ossos da manhã
há vestígios da carne madrugada
no quarto de hotel de 3ª classe.
o cheiro forte do gin tónico
conta os dias como um relógio velho
do qual sabemos a tonalidade
no compasso das horas.
é nos lençóis de esperma ressequido
que a vida fácil torce o coração
na clepsidra diária do pó
que dificulta na passagem clara e estreita
uma corrente de luz fina
que segura no grito temperado
uma voz frágil que surge do medo.
7.
há princípios de ausência
no teu rosto
e dos ossos só resta a quietude
da espera convertida
na vertigem dos dias.
desenha-se
a última alegria límpida e lúcida
no vôo de uma pomba.
é pacífica a morte
quando te beija o corpo quente e dado
aos fantasmas do sonho.
quanto mais sobe a vida na montanha
mais escarpas e sulcos de gangrena
se vão formando em direcção ao pó.
8.
nesta raiz apodrecida e frágil
há ecos há vozes no encantamento
dos pássaros feridos pelo tempo
uma lua adormecida engravida
a luz que pasma detrás do casario
há árvores que resplandecem
quando a morte lhes gangrena o tronco.
9.
nasce morta a manhã
nos escombros das casas e das árvores.
o último sorriso jovem escurece
a rua metralhada por deus.
as pombas rodeiam os ossos da cidade
enquanto os corvos comem restos
de humanidade.
10.
dobra o pecíolo na ventania
e a folha
na nervura do tempo cai no fio de água
deixando esporos na margem da sede
na penumbra.

josé félix

sexta-feira, 9 de maio de 2014





Lá Longe

Foi lá que vivi. Lá longe
Onde não havia telefone e ainda não existia telemóveis.
As cartas, essas eram abertas, riscadas e rasuradas.
De lá, tiravam aqueles cinquenta escudos que as Mães
Amealhavam para enviar e consolar os filhotes.
Lágrimas corriam quando líamos e sentíamos a dor
Da distância do amor e dos abraços que não podíamos ter.

Foi lá que vivi, Lá longe
Palavra que só nós sabemos dizer e sentir;  saudade!
Uma foto sem cor, um beijo sentido como fosse dado.
Meia dúzia de palavras  num aerograma e
Mais uma semana de leitura , sempre a mesma
 sempre o mesmo amor.

Foi lá que vivi. Lá longe
E como gostava de poder pôr neste pedaço de papel
Tudo o que vi, senti, odiei e amei.
Tudo que me obrigaram  a fazer e que fiz por ser
Português.

Foi lá que vivi. Lá longe
E lá conquistei a amizade daqueles que não conhecia.
Momentos de dor e sofrimento que com a união de todos
Superamos o tempo que parecia não passar.

Mas chegou esse dia e regressei.

A dor, o sofrimento, o isolamento as saudades,
Lá ficaram mas, não consigo esquecer
O bom e o mau de tudo que vivemos.
Certo sim que ganhamos grandes amizades
Que perduram até hoje e talvez para sempre.

Foi lá que vivi. Lá longe.

Rui Neves

sexta-feira, 11 de abril de 2014

delicadeza da voragem


o teu sorriso ilumina a casa

como um rasto de luz
na película da fotografia
ou como a raiz do sol
que entra pela janela.

a tua sombra acaricia
o silêncio
e como um pássaro azul
pousas no meu ombro
num sopro de água
a asa marítima.

na transparência da noite
no mistério dos sons impossíveis
a ardência do gesto entrega-se
ao novelo do sonho
e tu, tronco da árvore
acariciada até ao húmus
planto-te com o cuidado
do tempo da aurora
na vertigem do relâmpago
que apaga por instantes
o fogo aceso dos lábios.

na permissão da folhagem
há um rumor que permanece
na brisa leve dos sentidos
e nas tuas mãos entrego o mundo
o tesouro construído
na delicadeza da voragem.

josé félix

sexta-feira, 28 de março de 2014


a vida das palavras


ando à procura das palavras úteis

mas tão inúteis que as encontro mortas
numa capa de um livro no jardim.
vadias, as folhas soltam-se
fugindo com o vento
nas mãos da adolescência.
as palavras manuseadas
pelas idades mais diversas percorrem
caminhos de leitura acesa
à procura do labirinto de borges
para aí permanecerem até que as mãos
de um jovem inocente ou o sopro de um velho sábio
as façam florescer em todas as representações.
não importa que elas tragam as metáforas
as hipálages, frases de fazer de conta
hipérboles, metonímias e muitos adjectivos,
verbos, pronomes, e noções do verso.
as
palavras vão trazer a luz, a escuridão
conciliábulos de deuses e de homens.
a mentira, o espelho dos meus olhos
o vómito do dia anterior
a puta que passeia na IC 19
procurando clientes fartos de
mulheres gastas.
muitas folhas espalham-se e perdem-se
como as pombas que sobrevoam a copa
das árvores. o silêncio é o que resta
do prolongamento do olhar.
a capa dura, dura mais no tempo
até que o lixo a há-de levar
para lugar adequado quando
for triturada na reciclagem industrial.
perdidas, as palavras de uma capa
hão de magoar até que elas se percam
no destino dos homens escondidos
numa península.
a vida das palavras tem o tempo
que dura quem as lê, ou as perderam,
ou mortas, espalhadas pelas urbes,
nos caixotes do lixo desprezadas
por quem, precisamente, se serve delas
para significar o pensamento torpe
na pústula que sai dos próprios lábios.

josé félix

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014


ERGUE-TE IRMÃO


Ergue-te ,irmão ,que choras ,esquecido,
Esse abandono a esmagar-te a alma;
Não há noite sombria sem uma alva
Nem um dia sem outro já vivido.

Olha esse campo agora tão florido,
Essa planície há pouco agreste e calva,
E agora sorridente, pura e calma
Como Éden que volta renascido!

Enfrenta a injustiça, espesso muro,
Que te barra, sem tréguas o futuro
Coberto de miséria e ansiedade .

Agarra o escudo, empunha a recta lança ,
Símbolos da justiça e da esp,rança,
E conquista uma vida em liberdade.

Júlio Curredeira

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014


O SÓTÃO


Entrar com os olhos muito abertos
porque a luz se esconde
atrás do pó, das coisas
que esquecemos, alguma há-de
ser a nossa infância, trará sapatinhos
de verniz, um laço
dos casamentos das tias
uma tabuada com as contas
furadas de um dos filhos
cadernos com línguas estranhas
um Ferrari
repentino sem uma roda
uma subida até ao Himalaia
de uma teia de aranha remendada
Por que será que o sótão
está sempre no derradeiro andar da vida?



2013
© João Tomaz Parreira