domingo, 26 de junho de 2016

PERGUNTAS AO TEMPO, POR FREIXO DE ESPADA Á CINTA.


Como tudo me parece diferente!
Onde estão do outrora,essas imagens em que eu via o mundo em sonhos de menino?
A torre, meu castelo de ilusões. O lendário freixo, orgulhoso da sua nobreza. O cronista do Oriente imortalizado em pedestal. A praça salão nobre dos "raparigos". O poeta que me viu "partir chorando". A igreja orgulho de todos nós, filhos da terra manuelina .O rio, esse Douro mágico, que espalha seiva por tudo o que é mundo!
E Vós, Senhora dos Montes Ermos,
quantas mães te prometeram a jorna, pela troca de uma
promessa cumprida?
A tua morada continua na alvura dos anjos?
Lembra-me, Freixo,do trigo das searas arrastado pela brisa suave das manhãs de Junho; da horta da tia Francisca, onde as romãs eram presentes da velha mina!
Onde é sepulto o velho jumento do tio António, que tantas vezes, pelo raiar do dia, me passeava pelo tortuoso caminho do" valduço"?
Onde são as fantásticas miragens, de sonhos esvaídos no passado, que o Penedo Durão pintava no meu pensamento ?
Posso recordar as amendoeiras em flor, que no vale ou monte, transformavam a agreste paisagem?
Ainda vejo junto à fresca e velha fonte, a mítica imagem do lavrador acariciando a terra?
Ali bem perto, a frondosa árvore, lembrava as velhas histórias do tio Branqueja, repassadas na narração, mas sempre com flores novas na minha inocência!
Diz-me, freixo da espada, os sinos ainda tocam às trindades?
Como tudo parece hoje diferente, quando vos analiso à luz fria e neutral do pensamento!


J.C

domingo, 19 de junho de 2016

KALUNGA


é um vento de zinco
que beija os mamoeiros.
quiandas e cazumbis,
detrás das aduelas,
em coro com os cães,
espantam os morcegos
que vagueiam na noite.
os desenhos geométricos
das estrelas mais vivas
são as casas do sonho
de passeantes nocturnos
que plantam os desejos
de sementes cativas
no corpo de mulher.
assobios e piar
de pássaros do sul
marulham na folhagem;
muralhas duma água
que desagua fértil
no rosto que desenha
um país de futuro
plantado no passado.
sons de mar, e dos deuses
seduzidos por vozes
semeadas nas lavras,
nos sons íntimos das
cacimbas da maianga.
o meu sabor está
no fruto da mabanga
da ilha luandina,
no cheiro da garoupa
do porto de carvão,
onde o corpo descansa
ao lado das traineiras
esventradas do tempo.
meros e baiacús
constroem o silêncio
na podridão das tábuas.
há sons novos na areia,
e as andorinhas voam
ao lado dos ferrões,
todo o ano beijando a água.
os peixes apodrecem,
mas num sinal decúbito,
o dia vem remando
ventos de madrugada.

josé félix in "a outra fala"

domingo, 12 de junho de 2016

ENTRETENIMENTO



Chegas a casa. Liquidas o nó da gravata.
Ligas a TV, o Mundo já não é um lugar de refúgio
o que se passa é que os teus olhos te puxam
para lugares cenas e vozes que aceleram o teu coração
quando o que querias era descanso, um peso
retém-te como uma âncora, o sofá
agora é um abismo, salva-te o vício do jantar.

Regressas. Na TV um teutónico fala, a Europa
começa a ter mártires por todo o lado, é urgente
enviar sondas para outros Martes, descobre-se uma doença
chamada homem, outra nova que já poderia ter cura
mas a indústria diz que não é Deus, zarpas do canal
e noutro, ouves uma canção estragada
por uma telenovela.

18-09-2015
© João Tomaz Parreira