domingo, 19 de junho de 2016

KALUNGA


é um vento de zinco
que beija os mamoeiros.
quiandas e cazumbis,
detrás das aduelas,
em coro com os cães,
espantam os morcegos
que vagueiam na noite.
os desenhos geométricos
das estrelas mais vivas
são as casas do sonho
de passeantes nocturnos
que plantam os desejos
de sementes cativas
no corpo de mulher.
assobios e piar
de pássaros do sul
marulham na folhagem;
muralhas duma água
que desagua fértil
no rosto que desenha
um país de futuro
plantado no passado.
sons de mar, e dos deuses
seduzidos por vozes
semeadas nas lavras,
nos sons íntimos das
cacimbas da maianga.
o meu sabor está
no fruto da mabanga
da ilha luandina,
no cheiro da garoupa
do porto de carvão,
onde o corpo descansa
ao lado das traineiras
esventradas do tempo.
meros e baiacús
constroem o silêncio
na podridão das tábuas.
há sons novos na areia,
e as andorinhas voam
ao lado dos ferrões,
todo o ano beijando a água.
os peixes apodrecem,
mas num sinal decúbito,
o dia vem remando
ventos de madrugada.

josé félix in "a outra fala"

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