domingo, 27 de setembro de 2020

SOLDADO FEITO


De mim fizeram
Um soldado e me mandaram
P'rás terras de ninguém,
Lutar com alguém
Que não conheço
E não odeio.

De mim fizeram
Aquilo que agora sou:
Máquina de lutar,
Homem que não pode pensar.

De mim fizeram,
Um soldado e me impuseram
Condição de matar,
Para satisfazer ambições de glória
De homens sem razão.

De mim fizeram
Um soldado sem história,
Mais um soldado sem história.

Fizeram.
São eles que fazem tudo.
Fizeram soldado mudo
E deram-me uma espingarda.

Fizeram
um robot e me disseram:
“Vai para a guerra matar,
Que quando a guerra acabar,
Nós damos-te uma medalha.”

E deram-me,
Um uniforme e um número
Que é a minha identidade,
E disseram-me:
“Agora não tens idade,
Não tens nome,
Não tens nada,
A não ser o corpo pronto
Para receber uma bala.”

Filipe Raimundo, AB4, 1972