domingo, 26 de abril de 2020

25 DE ABRIL


Porque sou abrilista assumido,
No tempo, desiludido! 💕
Clarim ao toque, despertar!...
Ideal em restolho queimado.
Alma de heróis a cantar
Setenta e quatro...Abril,
No peito livre dum soldado.
Orgulho meu de ser migalha
Do teu nascer em desalinho.
Saltar das amarras a muralha
Setenta e quatro...Abril,
Lençol branco de puro linho.
Ai tempo futuro, que não entendeste
O sofrimento de quem tanto fez.
Ai tempo frio que arrefeceste
Setenta e quatro...Abril,
Hoje alfobre insane, de estupidez!
Agora o sonho é apenas miragem
Ideal de vergonha enrubescido.
Horto de um "fartar vilanagem"
Setententa e quatro...Abril,
Melhora fora, não teres nascido.
Abril de 74, sempre!
Jc

domingo, 19 de abril de 2020

TRÍPTICO


é quando me embriago nos mamilos
já turva a voz que me lancina o peito
eu ouço o som dos pássaros
são eles que despertam a voracidade dos dedos
na insónia de um corpo
que prende a noite nas escarpas da vigília
e o desejo, ó o desejo, é a dor
que se atravessa na literatura
faço como baudelaire
e, além das três escolhas
procuro outras tantas e mais de mil
para que pereça sem a mais leve memória
de mim e dos outros
*
Nos dedos há a combustão possível.
Na carta velha as palavras doem
no esquecimento da emoção da frase
e no relâmpago do tempo soa
o trovão de uma tempestade fria.
Há milhares de brincadeiras femininas
que se colam ao filme, e de tão cegas
na luminosidade dos holofotes
as personagens constroem figuras
que são as simples sombras irrequietas.
Há, claro, a possibilidade lúdica
da intervenção da escrita literária
que persegue o desejo do pão claro
na seara semeada no próprio tempo
*
Na subversão da escrita
o desejo não é uma falácia.
Se escolho o texto, escolho a emoção
que persegue a frase transfigurada.
a mulher é sintagma, flor-palavra
poema-árvore, erotismo, ruga-de-tronco
floração para todas as estações.
Toco no texto, acaricio o corpo;
na escrita leio a forma
da escultura das letras, o desenho
com a voz que permanece no rosto.
Na leitura das mãos, o nome é a substância
que lavra o texto.

José Félix

domingo, 12 de abril de 2020

PORQUE VAI SER UMA PÁSCOA DIFERENTE...


Sobre a Páscoa em Trás-os-Montes, tenho excertos de memórias das quatro terras onde vivi. Freixo de Espada à Cinta, Vila Flor, Foz-Côa e Bragança.
Foz-Côa já é Beira Alta, mas fica logo a seguir à ponte.😃 Neste texto, faço uma mescla de lembranças entrelaçadas dos usos e costumes pascais destas quatro povoações.
Se tiverem paciência para me ler, espero qu
e gostem e que vos desperte algumas imagens adormecidas na nossa infância e juventude.
Em jeito de prosa, aí vai um longo poema. Com um pouco de paciência conseguem ler até ao fim. Obrigado.
😀😀Boa e santa Páscoa para todos vós!

__//__

--Deixa-me apertar o passo que já deram as três...
Rap... rap...
Aos magotes, aos pares, as mais belas moças da aldeia,
Da Rua Nova, do Alto e doutros lugares
Faziam a estrada cheia
De hieráticas sombras que vão...

Toda curvada, a Marquinhas de S. João
Saiu às quatro de casa
Para ser a primeira a chegar.
À porta do lado, na entrada para a sacristia
A chumieira que a guiara, quando cheguei inda ardia...
E a Sãozinha do Pinheiro
(Deus a tenha em bom lugar!)
Mai-la criada a Maria,
Vieram um pouco mais tarde...
Na véspera estiveram a assear
O altar-mor, que dava um cheiro
De a gente ficar pasmada:
--Ele eram goivos e lírios,
Ele eram cravos e círios,
Jarras de prata e toalhas finas,
Galhetas, de cromo, salvas, gomil
"Cachepôs" e serpentinas,
Tudo tão limpinho, tudo tão novo,
Tão surpreendente e etéreo
Que o povo,
Sentiu bem todo o mistério
Daquele Domingo de Abril.

Domingo! Que belo dia que a semana tem!
Mas este Domingo é o mais belo que o ano encerra:
--Domingo de Páscoa! Aleluia!
E terra em terra
Monte em monte, além e além,
Desabrocham no peito perfumes quentes...
Como agora me lembro--profunda nostalgia!
Os sons estridentes
Desse velho sino que toca e berra
(Saudade que não morre! )
Sacudindo a parede que era toda a Torre
Perto da igreja nobre da minha terra!

O padre vestia todo de branco
E o povo mais apertado que eu sei lá!
Oa rapazes cheiravam a brilhantina
E não havia escada bem banco
Que não ocupassem já
Desde as tantas da matina.

O senhor Augusto sacristão, estou a vê-lo, de longas contas na mão
Cara rosada e de branco cabelo,
Ao que não se portasse bem
Mandava-lhe um safanão
Por irreverência,
Que para isso tinha muito jeito:
--sim, porque na igreja
--Dizia... tem de haver decência e respeito.

O Luís Sobreira, colarinhos de esticador,
Cabelo todo branco e de risca feita,
Pegava em opa nova de seda
E dizia: "Assim seja, assim seja!...
(E mudava o missal da direita para a esquerda
E da esquerda para a direita...)
Sempre era o dia do Senhor!

O Chico Nicolau
De olhos arremelados
Sabia bem do reportório:
Saco de pano na mão, pulmões afinados,
Regougava recolhendo dinheiro:
--"P'ràs almas do purgatório"!
E se caía uma nota... em breve cicio
Dizia sempre não ter troco...(ou não fosse ele filho do pai c'o mesmo ofício...)

Depois da missa era uma girândola toda no ar!
Eram foguetes a estoirar
Flores a cair,
O Senhor a beijar
E a visita pascal a sair...

Ah! que rico cheirinho que o Senhor botava!
E como Ele ia lindo nas mãos calosas do juiz
De cabelo cortado e camisa branca...
Pela igreja abaixo, todos em festa:
O rapaz tocava a campainha, tocava,
Como o mais feliz dos mortais...

A Aninhas Manca,
Sem dentes, levantava as mãos e truca truca,
Corria para casa ajustando o avental
E apertando na nuca,
Um lenço de merino ainda do bragal
Que ageitara em menina
E que tresanda a a naftalina...

As "Ribeiras"
Que moravam no adro da Igreja
São as primeiras
A receber a cruz que logo toda a gente beija:
--As escadas estavam cheias de alecrim e de erva cidreira
E havia no oratório uma luzinha acesa...
Cá de fora, via-se bem, tanto pão de ló na mesa
Que até fazia água na boca
Sem a gente querer...

E o rapaz da campainha, toca que toca,
Dlim...dlim...dlim!...
Pela escada abaixo, todo fresquinho,
Sacudia a sineta como um dementado
De opa nova de cetim
Que até era um pecado
Se a rasgasse pelo caminho...
O senhor Reitor, entrava aqui, ali, acolá,
Hissope em cruz, hissope ao alto,
Água benta e santa aleluia!
Na Rua do Vale, Rua do Adão, no Tablado e no Toural...
E logo mais um salto
Lá vai a cruz para o Tombeirinho , Rua da Portela, Senhora da Veiga e Praça de Freixo,
O lugar onde eu nasci!

Aí, ricos mentrastes do quintal dos Junqueiros,
Alecrim florido, lilás, rosas e esterpão,
Perfumes inesquecíveis da infância
Aos mil e aos mil
A mais pura e bela recordação de Abril
Infinita recordação!

E pela noitinha,
Ao lusco-fusco desse dia inesquecível,
Juntavam se as cruzes e as gentes
Numa indizivel romaria
Para a noite posta
Bênção final, ovos pintados,
Semana fora, Páscoa fremente,
Dos desgraçados,
Brasas acesas, sol à compita,
Tudo aqui era a melhor resposta
Para dar ao Senhor...
Gentes que aclamaram
A Santa e infinita Trindade!

Ide! Aleluia! Os caminhos são largos e o amor infindo!
--Larga, também muito larga... A saudade!

Jcorredeira
in:"fragmento de memórias"

domingo, 5 de abril de 2020

TEMPOS DO TEMPO!


Foste embora tempo!
Que faço agora sem tempo?
Não sei tempo!
Que fazes tu tempo,
Para além de tirar o tempo?
Não sei que fazer,
Não sei que escrever,
Que te posso dizer?
Para além de saber,
Que fiquei sem tempo.
O tempo que partiu,
A vida que ruiu?
O mundo que saiu,
Nunca ninguém o viu,
Mas o tempo partiu.
Tempo, e agora?
Corona virus