domingo, 14 de junho de 2020

AFETIVIDADE


A todos os amigos.- Porque nas circunstâncias actuais, não posso abraçar. ❤️
--//--
Afetividade
Eu sou entendimento e sou vontade,
Sou corpo, sou paixão e também dor;
Sou alegria, coração e amor,
Sou presente, futuro e também saudade.

Floresce dentro em mim essa amizade,
Como na Primavera a bela flor
Espalhando nos campos seu olor,
Feita de abraço e feita de verdade.
E da férrea vontade do meu ser,
Com força de mistério e sem eu ver,
Emerge o afecto mágico e profundo.
E através dele eu entro em relação
Comigo, com outro – meu irmão –
E mesmo com as formas deste mundo.


Jc
In: espelho de poesia

domingo, 7 de junho de 2020

TODAS AS COISAS


Sentado ao fim da tarde, vendo o sol esmorecer,
A despedir-se de mim num acenar sorridente,
Colorindo com mil cores o céu do entardecer,
Prometendo calma a noite, suave aconchego quente.


E reservo esta noite, é meu desejo sereno,
Uma noite solitária, bem na paz do meu viver,
Sem cuidar de vãs promessas, sem esperar um aceno,
Preparando um novo dia, fazendo o que há a fazer.


E recordo outros momentos, ecos vindos do passado,
Outros sonhos e desejos, tanta ilusão perdida...
Quando nada se ganhou em trabalho esforçado,
Mas é de pequenos nadas que é feita esta vida.


Não venci grandes batalhas, como um audaz general,
Mas não semeei a morte em duvidosas vitórias,
Nem lutei de forma vã, confundindo o bem e o mal,
Quando tanto horror se esconde em ilusórias glórias.


Todas as coisas na vida podem ter razão de ser,
Mas muito do que pensamos não passa de ilusão,
Errado é passar a vida a pensar sem a viver,
Tudo passa nesta vida, com razão ou sem razão.


(Miguel Pimenta, 2018)

domingo, 31 de maio de 2020

DA VIAGEM


Eu quero ir viver para mariposa
plantar um canavial e um jardim na popa
e inundar-me de água do rio Leie.
Goedmorgen, mijn naam is Félix
quando vier o correio de longe
e trouxer notícias do país das caravelas
não pensar nos bolinhos de bacalhau
e, por simpatia, desenhar numa
folha de papel a Torre de Belém
depois, nos dias azedos
quando a saudade marítima
pintar o rosto, transformo a folha de papel
com a Torre de Belém, faço um barco
e deito-o, com displicência
nas águas turvas do Leie
até que um pato bravo o afunde.
Vou para Graslei. É lá que identifico
a minha errância nas casas miudinhas.
Cego de arquitectura, compro
uma grade de cerveja Jupiler
e só ou com amigos de circunstância
que o pouco conhecimento da língua permite
bebo a olhar a água turva do rio
quando a duplicidade da imagem da torre
da igreja de Sínt Baaf me cansa.
Eu quero ir viver para mariposa
e, no silêncio da noite
ouvir grasnar os patos bravos
em cima de um bote meio afundado.
ao lado, na Rua Visserig, o contador de bicicletas
azula à passagem do ciclista.
-/-
Um corvo sossega a tarde em Sint Jacob
e nós abraçados um no outro admiramos
a arquitectura das paredes medievais
ao longo do rio Shelbe.
Centenas de passeantes olham para cima
Com a ausência de Deus que há muito tempo
deixou de honorar centenas de viajantes
que se recolhem ali.
Olhares vagos e indiferentes compram
chocolates e waffles para memória futura
ou para oferecer aos amigos no regresso da viagem.
O corvo, em Sint Jacob, mudou de árvore
e continua a sossegar a tarde soalheira
quando passam dezenas de escoteiros
numa algazarra adolescente.
Nós abraçamo-nos e tecemos
Comentários de circunstância
abafados pelo trote dos cavalos do coche.

José Félix, Antologia de Escritas, N.10, Marco de 2013

domingo, 24 de maio de 2020

RÁDIO FAROL


Rádio farol, desterro e solidão!
E o barulho de um motor roncando.
E quando à noite, os ratos vão ratando…
O resto é silêncio e escuridão.

As pretas que vêem pedir água,
Chegam à porta,…. Falam em Quiôco,
Na minha face há um sorriso louco,
Mas cá no fundo, somente existe a mágoa.

Mágoa pelo velho negro, que à tardinha,
Sai do capim, como uma cobra esguia.
E a medo vem para mim, falando de mansinho
-“Moio, branco bom, mi dá gasóleo p’rá minha mentolia”.

Mágoa também por mim, aqui perdido….
Algures no Leste de Angola sem ter fim.
Mágoa sim, por mim, aqui perdido!
No meio de uma guerra sem sentido.



Filipe Raimundo, AB4, 1970

domingo, 10 de maio de 2020

ENTRE O CAPIM


Entre o capim,
O malvado capim,
Jaz um filho de Portugal.
Quem será?
Um político?
Um banqueiro?
Um futebolista?
Não !
É mesmo um soldado Português !
Este soldado como tantos outros,
Morreu pela Pátria.
Este soldado, nem sequer teve direito,
A uma singela caixa de pinho.
Reflitam!


Luis Faria Costa

domingo, 3 de maio de 2020

TANKA DE ABRIL


abril está morto
— na lapela dos casacos
só há cravos murchos
a lebre está escondida
do ímpeto da raposa.
José Félix
2020.4.25

domingo, 26 de abril de 2020

25 DE ABRIL


Porque sou abrilista assumido,
No tempo, desiludido! 💕
Clarim ao toque, despertar!...
Ideal em restolho queimado.
Alma de heróis a cantar
Setenta e quatro...Abril,
No peito livre dum soldado.
Orgulho meu de ser migalha
Do teu nascer em desalinho.
Saltar das amarras a muralha
Setenta e quatro...Abril,
Lençol branco de puro linho.
Ai tempo futuro, que não entendeste
O sofrimento de quem tanto fez.
Ai tempo frio que arrefeceste
Setenta e quatro...Abril,
Hoje alfobre insane, de estupidez!
Agora o sonho é apenas miragem
Ideal de vergonha enrubescido.
Horto de um "fartar vilanagem"
Setententa e quatro...Abril,
Melhora fora, não teres nascido.
Abril de 74, sempre!
Jc

domingo, 19 de abril de 2020

TRÍPTICO


é quando me embriago nos mamilos
já turva a voz que me lancina o peito
eu ouço o som dos pássaros
são eles que despertam a voracidade dos dedos
na insónia de um corpo
que prende a noite nas escarpas da vigília
e o desejo, ó o desejo, é a dor
que se atravessa na literatura
faço como baudelaire
e, além das três escolhas
procuro outras tantas e mais de mil
para que pereça sem a mais leve memória
de mim e dos outros
*
Nos dedos há a combustão possível.
Na carta velha as palavras doem
no esquecimento da emoção da frase
e no relâmpago do tempo soa
o trovão de uma tempestade fria.
Há milhares de brincadeiras femininas
que se colam ao filme, e de tão cegas
na luminosidade dos holofotes
as personagens constroem figuras
que são as simples sombras irrequietas.
Há, claro, a possibilidade lúdica
da intervenção da escrita literária
que persegue o desejo do pão claro
na seara semeada no próprio tempo
*
Na subversão da escrita
o desejo não é uma falácia.
Se escolho o texto, escolho a emoção
que persegue a frase transfigurada.
a mulher é sintagma, flor-palavra
poema-árvore, erotismo, ruga-de-tronco
floração para todas as estações.
Toco no texto, acaricio o corpo;
na escrita leio a forma
da escultura das letras, o desenho
com a voz que permanece no rosto.
Na leitura das mãos, o nome é a substância
que lavra o texto.

José Félix

domingo, 12 de abril de 2020

PORQUE VAI SER UMA PÁSCOA DIFERENTE...


Sobre a Páscoa em Trás-os-Montes, tenho excertos de memórias das quatro terras onde vivi. Freixo de Espada à Cinta, Vila Flor, Foz-Côa e Bragança.
Foz-Côa já é Beira Alta, mas fica logo a seguir à ponte.😃 Neste texto, faço uma mescla de lembranças entrelaçadas dos usos e costumes pascais destas quatro povoações.
Se tiverem paciência para me ler, espero qu
e gostem e que vos desperte algumas imagens adormecidas na nossa infância e juventude.
Em jeito de prosa, aí vai um longo poema. Com um pouco de paciência conseguem ler até ao fim. Obrigado.
😀😀Boa e santa Páscoa para todos vós!

__//__

--Deixa-me apertar o passo que já deram as três...
Rap... rap...
Aos magotes, aos pares, as mais belas moças da aldeia,
Da Rua Nova, do Alto e doutros lugares
Faziam a estrada cheia
De hieráticas sombras que vão...

Toda curvada, a Marquinhas de S. João
Saiu às quatro de casa
Para ser a primeira a chegar.
À porta do lado, na entrada para a sacristia
A chumieira que a guiara, quando cheguei inda ardia...
E a Sãozinha do Pinheiro
(Deus a tenha em bom lugar!)
Mai-la criada a Maria,
Vieram um pouco mais tarde...
Na véspera estiveram a assear
O altar-mor, que dava um cheiro
De a gente ficar pasmada:
--Ele eram goivos e lírios,
Ele eram cravos e círios,
Jarras de prata e toalhas finas,
Galhetas, de cromo, salvas, gomil
"Cachepôs" e serpentinas,
Tudo tão limpinho, tudo tão novo,
Tão surpreendente e etéreo
Que o povo,
Sentiu bem todo o mistério
Daquele Domingo de Abril.

Domingo! Que belo dia que a semana tem!
Mas este Domingo é o mais belo que o ano encerra:
--Domingo de Páscoa! Aleluia!
E terra em terra
Monte em monte, além e além,
Desabrocham no peito perfumes quentes...
Como agora me lembro--profunda nostalgia!
Os sons estridentes
Desse velho sino que toca e berra
(Saudade que não morre! )
Sacudindo a parede que era toda a Torre
Perto da igreja nobre da minha terra!

O padre vestia todo de branco
E o povo mais apertado que eu sei lá!
Oa rapazes cheiravam a brilhantina
E não havia escada bem banco
Que não ocupassem já
Desde as tantas da matina.

O senhor Augusto sacristão, estou a vê-lo, de longas contas na mão
Cara rosada e de branco cabelo,
Ao que não se portasse bem
Mandava-lhe um safanão
Por irreverência,
Que para isso tinha muito jeito:
--sim, porque na igreja
--Dizia... tem de haver decência e respeito.

O Luís Sobreira, colarinhos de esticador,
Cabelo todo branco e de risca feita,
Pegava em opa nova de seda
E dizia: "Assim seja, assim seja!...
(E mudava o missal da direita para a esquerda
E da esquerda para a direita...)
Sempre era o dia do Senhor!

O Chico Nicolau
De olhos arremelados
Sabia bem do reportório:
Saco de pano na mão, pulmões afinados,
Regougava recolhendo dinheiro:
--"P'ràs almas do purgatório"!
E se caía uma nota... em breve cicio
Dizia sempre não ter troco...(ou não fosse ele filho do pai c'o mesmo ofício...)

Depois da missa era uma girândola toda no ar!
Eram foguetes a estoirar
Flores a cair,
O Senhor a beijar
E a visita pascal a sair...

Ah! que rico cheirinho que o Senhor botava!
E como Ele ia lindo nas mãos calosas do juiz
De cabelo cortado e camisa branca...
Pela igreja abaixo, todos em festa:
O rapaz tocava a campainha, tocava,
Como o mais feliz dos mortais...

A Aninhas Manca,
Sem dentes, levantava as mãos e truca truca,
Corria para casa ajustando o avental
E apertando na nuca,
Um lenço de merino ainda do bragal
Que ageitara em menina
E que tresanda a a naftalina...

As "Ribeiras"
Que moravam no adro da Igreja
São as primeiras
A receber a cruz que logo toda a gente beija:
--As escadas estavam cheias de alecrim e de erva cidreira
E havia no oratório uma luzinha acesa...
Cá de fora, via-se bem, tanto pão de ló na mesa
Que até fazia água na boca
Sem a gente querer...

E o rapaz da campainha, toca que toca,
Dlim...dlim...dlim!...
Pela escada abaixo, todo fresquinho,
Sacudia a sineta como um dementado
De opa nova de cetim
Que até era um pecado
Se a rasgasse pelo caminho...
O senhor Reitor, entrava aqui, ali, acolá,
Hissope em cruz, hissope ao alto,
Água benta e santa aleluia!
Na Rua do Vale, Rua do Adão, no Tablado e no Toural...
E logo mais um salto
Lá vai a cruz para o Tombeirinho , Rua da Portela, Senhora da Veiga e Praça de Freixo,
O lugar onde eu nasci!

Aí, ricos mentrastes do quintal dos Junqueiros,
Alecrim florido, lilás, rosas e esterpão,
Perfumes inesquecíveis da infância
Aos mil e aos mil
A mais pura e bela recordação de Abril
Infinita recordação!

E pela noitinha,
Ao lusco-fusco desse dia inesquecível,
Juntavam se as cruzes e as gentes
Numa indizivel romaria
Para a noite posta
Bênção final, ovos pintados,
Semana fora, Páscoa fremente,
Dos desgraçados,
Brasas acesas, sol à compita,
Tudo aqui era a melhor resposta
Para dar ao Senhor...
Gentes que aclamaram
A Santa e infinita Trindade!

Ide! Aleluia! Os caminhos são largos e o amor infindo!
--Larga, também muito larga... A saudade!

Jcorredeira
in:"fragmento de memórias"

domingo, 5 de abril de 2020

TEMPOS DO TEMPO!


Foste embora tempo!
Que faço agora sem tempo?
Não sei tempo!
Que fazes tu tempo,
Para além de tirar o tempo?
Não sei que fazer,
Não sei que escrever,
Que te posso dizer?
Para além de saber,
Que fiquei sem tempo.
O tempo que partiu,
A vida que ruiu?
O mundo que saiu,
Nunca ninguém o viu,
Mas o tempo partiu.
Tempo, e agora?
Corona virus

domingo, 29 de março de 2020

UM ANTI-REQUIEM NO HOSPITAL


Deitado num convés de lençóis ondulados
Os barcos ao lado ostentam o próximo
Remanso dos adormecidos
A certa altura o tecto é uma ilusão de óptica
Torna-se um limite que os olhos perfuram
A certa altura de uma certa altura
Apagam-nos a claridade, é a hora
De atravessar as águas da noite
Como um bálsamo de Gileade
No silêncio hospitalar.
06/10/2018
© João Tomaz Parreira

domingo, 22 de março de 2020

A VOZ DO MAR


Ofereço este soneto, a todos aqueles que passam o tempo em segurança,
A minha esperança no povo português. Como outrora, sem medo e corajoso, desbravou o mundo com a sua fé e valentia. Vamos vencer.!...🇵🇹❤️

A voz do mar
Fugi da multidão anónima e cinzenta,
De cafés cheios de olor a fumo e aguardente
Onde me sinto ignoto a toda aquela gente,
Numa atmosfera amorfa, opaca e barulhenta.
E sigo para o mar de vaga suave e lenta
Que vem pousar na costa um ósculo ardente,
E em sua voz de segredo, mágica, lugente,
Me narra um historial, que me seduz e tenta.
E vejo tanto herói a enfrentar a morte,
E tantas caravelas sem leme e sem norte
Após desafiarem louca tempestade.
E nestas descobri as marcas do meu povo
Que para um dia haver um mundo extenso e novo
A tudo disse adeus, excepto à saudade.


Jc
foto: do próprio

domingo, 15 de março de 2020

UM DEDO ENTRE OS OLHOS


É no vidro cendrado que descubro
o olhar de sombra
que observa e lê a máscara de ternura
e afaga o lírio morto entre os dedos
Neste cubo fechado andam vultos
que digladiam gestos com as bocas
hiantes de palavras perdulárias
O tempo é o desenho no vidro
que viaja com o sopro da fuligem.

José Félix
2020.1.24

domingo, 8 de março de 2020

UM "PAI" EM DESESPERO.


Encontrei-o sentado junto à porta
Da sua barraca feita de pobreza;
No semblante, estampava-se a tristeza

Que a sua vida já quase não comporta.

A face era enrugada quase morta;
Olhou-me de alto a baixo com frieza
E respondeu com laivos de aspereza
À mensagem que, penso, até conforta.

Segui o meu caminho a meditar
Nas palavras que tentavam consolar
Um homem na miséria e meu irmão...

E pareceu-me ouvir Cristo Jesus:
<< Ao homem infeliz e sob a cruz
Diz lhe a palavra, mas envolta em pão>>!...



Jc

domingo, 1 de março de 2020

CHUVA DE MARÇO - LUANDINA


na folha de zinco
o cio dos gatos arrasta a chuva.
ouve-se o chiar dos morcegos
à roda dos mamoeiros.
os passos, serenos, de minha mãe,
calam-se na porta do quarto,
e a água distancia-se
na sombra dos olhos.
o cheiro forte, da pitangueira,
alerta um par de cílios.

José Félix

domingo, 26 de janeiro de 2020

HOMEM


Um coração de pomba com olhar de durão. 
Quem escreve um poema destes, só pode ser um homem bom!🍀❤️
Célia Corredeira
16-8-19
——
HOMEM,
Tu não precisas de pisar ninguém
Para seres “um homem de bem”!
Basta que penses nas tuas mãos:
-Com elas poderás amar e sofrer,
Enxugar lágrimas e esculpir sorrisos
Nos lábios de uma criança...
Firmar o bordão de um velhinho, sem ninguém,
Dar uma ajuda aos que perderam a esperança,
Pegar numa faca e sem desdém
Repartir o pão da mesa... todo quanto tiveres!
Podes abrir um livro de versos e ler poesia,
Escrevê-lo até se quiseres...


Jc

domingo, 19 de janeiro de 2020

O PEQUENO POETA


Percorrendo ruas sem rumo
Ele vai devagar caminhando
Com o rio se aproximando
As redes ao fundo balançando
Elas o peixe vão esperando
Com o sono mandando
Sua tristeza vai carregando
O rio o vai desafiando
Pelo poeta está esperando
Será hoje amanhã quando?


O Kapeta M.P.

domingo, 12 de janeiro de 2020

A VOZ DO DESEJO


na sala nem a sombra de um retrato
nomeia a luz do rosto que pertence
aos cílios finos da memória intrusa.
eu queria, mãe, ver-te envelhecer
sem que a escrita comprometesse a vida
e o engelhar da folha fosse só
um pequeno sorriso na respiração da árvore.
construo-te ruga a ruga na velhice
perfeita de uma tela antiga
mas dói-me a fala porque a tua juventude
cala a voz do desejo da flor íntima.
que coisas poderíamos ter dito
na geografia de gestos e na
paciência das estações.

josé félix

domingo, 5 de janeiro de 2020

PARA DANÇAR UM TANGO


Um tango dança-se com faca
no olhar
e sapatos a acolchoar o silêncio
Um tango estilhaça
tudo o que está perto
o ar onde o corpo se contorce
onde as mãos afogam
mãos ou na cintura
navegam como se fosse
um rio de prata.

domingo, 29 de dezembro de 2019

SOLSTÍCIO DE INVERNO


(poeminha à Cidadela-Bragança)
...
Ó berço de granito e giesta
Príncipe sem tempo nem idade,

Veste o INVERNO de festa
Filho "único" da tua cidade.

Se o tempo, tivesse tempo
Nesta corrente de crença,
Pedia um favor ao vento...
Abraça por mim o Fervença.
...

Poema e foto:Jcorredeira

domingo, 22 de dezembro de 2019

A NOITE


Ela passou muito devagar
Escrevendo e a pensar
Ouvindo o barulho do mar
Com os neurónios a fervilhar
A musica sempre a tocar
O cansaço a chegar
A cama a chamar
Com o dia a despertar
O relógio continua a andar
Mas o sono sem chegar
Vou escrevendo sem parar
Esta vida tem que acalmar
Dormir acordado me estou habituar
Na vida gozei o que tinha a gozar
Quando ela me chamar
Eu e mar nos vamos encontrar
Versos então iremos cantar
E as gaivotas irão dançar

O Kapeta M.P.

domingo, 15 de dezembro de 2019

SACANAS


No sábado de chuva miudinha
há um cheiro a latrina que incomoda
O sol e o cheiro a pulhice humana
parece que se dão bem. Os sacanas
momentaneamente parecem deuses
são todos bem falantes com relâmpagos
de genialidade
mas a maior parte do tempo
são idiotas comprometidos com o estrume
vivendo nos pântanos da periferia
afundados em pesadelos e vinagre
Não há esperança para quem não tem
um cavalo ou colmeia para que possa
cavalgar na nuvem
e adoçar o coração acrílico
Mantém-se este cheiro a latrina
o cheiro da mais baixa condição humana
que infesta infecta
a flor azul e o pólen do caminho
José Félix
2019.10.26

domingo, 8 de dezembro de 2019

FRIO!


E há o alarido indiferente 
Do luxo e da riqueza:
E ante este escandaloso esbanjamento,
Recrudesce a revolta e o tormento
Dos escravos da pobreza...
As crianças entram de recolher
E adormecem
Tantas vezes sem comer.
Pouco depois começam a sonhar
Com brinquedos, roupas e manjares,
Que humedecem seus olhares
Ávidos, anelantes.
A mão do pai, mirrada e calosa,
Afaga a face amorosa
De seus filhos ainda tão garotos,
Esqueléticos e rotos.
E sobre essas crianças inocentes
Passam também
Os olhos carinhosos dessa mãe
Que, naquela hora, reza e chora
E cola um beijo humedecido
No filho mais tenro
Em seu colo adormecido.


jc

domingo, 1 de dezembro de 2019

VIAJANDO NO TEMPO


Vou pensando e relembrando
Um cigarro vou queimando
Com o tempo passando
Os pensamentos me atormentando
Um cigarro vou queimando
A vida tanto mudou
Passado lá ficou
O presente me modificou
Um cigarro vou queimando
A flor lentamente medrou
Houve alguém que a regou
E linda ela ficou
Ela da terra nunca se libertou
Mas o Inverno chegou
E a flor morreu terminou
Da terra alguém a arrancou
E para o lixo a atirou
O cigarro já se queimou no cinzeiro
alguém o amachucou.



O Kapeta M.P.

domingo, 24 de novembro de 2019

domingo, 17 de novembro de 2019

A OUTRA JANELA


não sei porque pertenço a esta janela
talvez seja a distância da qual me acoberto
que faz olhar de soslaio
o movimento lá fora. se lá fora é estar para lá da janela
ou se é estar para cá dos cotovelos que descansam
na pose entretida e sobranceira
a ver o mundo, pequeno ou grande, sei lá
e a minha sombra a brincar com o cão
do outro lado do sol.

tenho a erva fresca na boca e um sentido canino apurado
que deseja a carícia no pêlo, ladrar, fornicar
e sem a pose de cão tecer impropérios
cavar com as mãos, com os pés, com as patas, com os dentes
com o focinho. lamber, lamber-me até que a pureza
fique nos píncaros.
eu sei que esta janela tem todo o sentido.
faz-me olhar mais para o outro, vendo-me.
não é um jogo de cabra-cega onde tocamos uns nos outros
sem sabermos quem somos.
é o espelho que me entra pela casa com o meu reflexo.
com os meus reflexos complexos
com a dislexia dos sacanas visíveis e invisíveis.
a janela. é dela que eu sou não sendo. é o meu palco
de marionetas que movimento no estrondo da gargalhada
é a minha ópera bufa. os bobos. ah os bobos.
são todos bobos desta corte de reizinhos, cortesãos e cortesãs
onde a intriga se move debaixo dos saiotes
no olhar lúbrico, lascivo dos decotes.
tenho a minha janela. só para mim. é daí que movimento
os lábios dos biltres, dos que querem subir na vida
dos ladrões, dos que se deixam roubar e dos que não deixam.
é dali que eu aplauso, apupo, assobio, escancaro a boca
ao tédio até à próxima representação.
a janela. a minha janela sem violetas
ri-se da esquerda e dos seus complexos, ri-se
da direita e das falsas virtudes
ri-se da política melodramática, ri-se
dos cidadãos inconformados
ri-se dos senhores deputados, ri-se
dos ministros e secretários de conveniência
ri-se dos mendigos, donos de empresas, ri-se
dos desempregados, dos operários, dos fumadores de crack
ri-se das putas de covil e de bacharel, ri-se
do sistema e do anti-sistema.
a minha janela é a fotografia na imaginação da pose
na indignação da posse, na violência
da verdade mentida até à exaustão.
a minha janela é a minha janela.
é a minha particular conveniência
sem truques, sem retoques de pintura
é a visão límpida das coisas.
a minha janela é a minha janela.


josé félix

domingo, 10 de novembro de 2019

A NEVE


Um miminho enviado ontem pelo Júlio Corredeira, directamente de Montesinho.
Começou cedo este ano!💝
Célia Corredeira

--//--
Não era fria
A neve que caía
Do céu da minha cidade
Era lume de nostalgia
Quente, de bem que sabia
Calor de saudade

Jc

domingo, 3 de novembro de 2019

ROSA ESPINHO


...E eu olho as pétalas tão lindas e odorosas
Fazendo-me lembrar as faces tão formosas,
Que embelezam a terra, do homem, o abrigo.

Porém, um dia, sem querer e distraído,
Senti uma picada e um dedo ferido,
E pensei que até no belo se esconde o perigo!...

Jcorredeira

domingo, 27 de outubro de 2019

ATÉ AMANHÃ CAMARADAS DA BA3!


Mais um ano!
Um ano nas nossas vidas,
Nunca será um engano,
São coisas nunca esquecidas.
Amanhã como outrora
Lá nos vamos encontrar,
Lembrando hora a hora ,
O que o tempo não sabe apagar.
Como é bom recordar,
Coisas ali passadas,
como é bom desmontar,
Conversas inacabadas.
Nesta saudade que é tanta,
Lá estaremos então,
Vamos calar a garganta
E dar voz ao coração.

Algures no Ribatejo,25 de Outubro de 2019
Faria Costa

domingo, 20 de outubro de 2019

O BARCO DA VIDA


O barco vai navegando
Nossos sonhos relembrando
O barco vai sempre andando
O mal e o bem vai ficando
Numa viagem sem paragens
Vamos apreciando as paisagens
Não é tempo de mensagens
Só para escrever estas paginas
Viagem só com um sentido
O barco segue o seu caminho
Os sonhos vão desfilando
As memórias vão esfriando
É uma viagem sem tempo
O barco vai navegando
Nós com tempo esperando
Mas o barco vai navegando
E nós vamos aguardando

O Kapeta M.P.

domingo, 13 de outubro de 2019

EIS A COLUNA


Eis a coluna!
Eis as flagelações!
As emboscadas!
As minas!
Eis a vida!
Eis a morte!
Por lá andamos!


Luis Faria Costa

domingo, 6 de outubro de 2019

INCÓGNITA


domingo, 29 de setembro de 2019

HÁ DIAS ASSIM!


Chopin - Prelúdio op. 28 Nº24 - canção para amélia
“tem doçura a doce amélia
que no nome pronuncia
o corpo de favos cheio
brotando mel e alegria”
na folha da tua face
vai a minha mão menina
que de um modo tão rapace
de um animal no enlace
solta-se a voz na neblina;
os teus olhos na floreira
são dois botões de camélia
estão ali a vida inteira
como o cacho na videira
‘tem doçura a doce amélia,
na serena idade e grave
plantas um beijo nos lábios
que nem a brisa se atreve
secar um ósculo breve
como disseram os sábios.
pois só assim eu nomeio
a fala que se anuncia
e se me perco no enleio
deixo todo o meu anseio
‘que no nome pronuncia,
de ti bebo a fina água
fonte de todo o início
em ti aqueço a minha frágua
deixando as mágoas à míngua
encher-me de ti é vício.
saboreio-te na gula
és o meu pão, meu recheio
o cereal que tremula
de gesto em gesto se anula
‘o corpo de favos cheio,
no jardim da primavera
és uma flor solitária
prima ballerina vera
sobrevindo da quimera
como sempre imaginária.
do pólen me alimento
e toda a flora anuncia;
és para a ferida unguento
a colmeia do acalento
’brotando mel e alegria,

josé félix

domingo, 22 de setembro de 2019

OLÁ OUTONO!


a folha seguiu o vento
na tibieza do fervor esquecido
mágoa ancorada

em peito dolorido
a razão desconhece
o conhecido
sopram trombetas na luz da fachada
onde o palco deserto
desmerece
já não lembra a urbe da ribalta
guarida de sonhos
lianas envoltas por perto
sibilino espaço de solidão
sem banquete nota-se falta
ambíguo conhecimento
memória sorvida em vão
liberdade em alta
florir o momento
o tempo a fugir dos olhos
os olhos a fugir da mão!
mar imenso
leva-o na crista da vaga
a terra não espera
perfuma seu rosto de incenso
para sempre sem imperativo
foi quimera












Jc

domingo, 15 de setembro de 2019

A PESTE


Esta “Peste” contamina
E nosso povo atravanca
Não é a peste suína
Esta, chama-se Banca

São vampiros sugadores
E não tenham ilusões
A “gamar” são uns doutores
Deixam pra trás os ladrões

Fazem-no com subtileza
Com muitas falinhas mansas
Mas, podem ter a certeza
Eles vão enchendo as “panças”

Dos governos, conivência
Mesmo não sendo total
Dão largas à “pestilência”
Como sendo natural

Se o Povo ficar parado
E nunca fizer questão
Será pra sempre roubado
Nunca lhe darão razão

Se tivéssemos juízes
A “peste” tinha acabado
Não ganharia raízes
Nem haveria um Berardo

Mas aqui neste País
Dito de “brandos costumes”
A “Peste” brota raiz
E todos ficam impunes

Ai Povo, não tens cabeça
Nem sombra do teu legado
Digo, como um dia o Eça,
Gostas de ser Enganado!!


Sergio Durães    

domingo, 28 de julho de 2019

PARTIDA


Recordo a flor efémera e bela
Que deleitava a minha juventude,
E que eu, alegre, acariciava amiúde
Em conversa inocente e tão singela!
Ao lado, em sua gaiola e perto dela,
Cantava um pintassilgo; e nunca pude
Compreender se cantava a amaritude
De passar a sua vida numa cela.
Eu, jovem, parti para terras bem distantes,
Um mundo que eu nem sonhava antes,
Dizendo adeus a todos os que amava.
E nesse dia, uma pétala murchou,
O pobre passarinho não cantou
E entre prantos e abraços eu chorava.
In “fragmentos de memórias ”

domingo, 21 de julho de 2019

AVISO


Os meus versos são para ler
E nunca para meditar
Quem notar defeitos ter
Peço-lhe para não criticar.

A minha pobre vocação
Não dá para eu brilhar
No entanto meu coração
Sendo pobre sabe amar.

Quem ele ama não digo
Só uma pessoa o conhece
Meu coração é mendigo
Sente frio e não aquece!


domingo, 14 de julho de 2019

MORTE NO MATO